Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Fevereiro/2019
Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes. 1ª Coríntios 1:27
Naturalmente não estou sugerindo que tudo estivesse bem na igreja primitiva. Certamente não estava! Só precisamos ler a Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios e as cartas às sete igrejas da Ásia Menor (Ap 2-3) para dar-nos conta de que as comunidades cristãs primitivas estavam tão distantes de serem ideais quanto nossas próprias igrejas o estão. Esse fenômeno também não foi resultado de um desenvolvimento tardio, digamos só por volta do final do século I d.C. Não, as falhas estavam aí desde o início. Há, por exemplo, indícios da existência de rivalidades num estágio incipiente entre os discípulos de Jesus. Mencionemos apenas um exemplo: Tiago e João pediram assentos especiais de honra no reino de Jesus (Mc 10.35-41), para indignação dos outros. Há, além disso (e particularmente em Marcos), muitos exemplos da falta de entendimento e fé por parte dos discípulos (cf. Breytenbach 1984:191-206). E o livro de Atos, embora apresente, no conjunto, um quadro idealizado da igreja primitiva, não esconde de nós algumas das tenções, falhas e pecados dos primeiros cristãos, inclusive da liderança.
Vamos ver, brevemente, algumas fraquezas mais específicas dos primeiros cristãos a área da missão – fraquezas que ameaçavam, em graus diversos, desfazer a natureza integral da primeira mudança de paradigma.
I. Jesus não tinha intenção de fundar uma nova religião. As pessoas que o seguiam não receberam um nome que as distinguisse de outros grupos, nem mesmo um credo próprio, nem um rito que revelasse o caráter distintivo de seu grupo, nem um centro geográfico a partir do qual iriam operar (Schweizer 1971:42; Goppelt 1981:208). Os doze deveriam ser a vanguarda de todo o Israel e, além de Israel, por implicação, de todo o ecúmeno. Esse elevado nível de vocação, contudo, não foi mantido por muito tempo. Já num estágio muito inicial, os cristãos tenderam a estar mais conscientes daquilo que os distinguia dos outros do que de sua vocação e responsabilidade para com esses outros. Sua sobrevivência como grupo religioso separado, e não seu compromisso com o reinado de Deus, começou a preocupa-los. Como disse Alfred Loisy (1976:166): “Jesus predisse o reino e foi a igreja que veio.”
II. Intimamente relacionada com essa primeira falha da igreja primitiva está a segunda: ela deixou de ser um movimento e transformou-se numa instituição. Há diferenças essências entre uma instituição e um movimento, diz H. R. Niebuhr (seguindo Bergson): aquela é conservadora, este é progressista; aquela é mais ou menos passiva, sucumbindo a influências externas, este é ativo, influenciando ao invés de ser influenciado; aquela olha para o passado, este para o futuro (Niebuhr 1959:11s). Além disso, poderíamos acrescentar que aquela é ansiosa, ao passo que esta está disposto a assumir riscos; aquela resguarda fronteiras, este as cruza.
III. O terceiro aspecto em que a igreja primitiva falhou foi… a longo prazo, ela se mostrou incapaz de fazer os judeus sentirem-se em casa. Começando como um movimento religioso que trabalhava exclusivamente entre judeus, ela transformou-se, na década de 40 do século I, num movimento tanto para judeus quanto para gentios, mas acabou proclamando sua mensagem apenas para os gentios.
Houve dois acontecimentos catalíticos nesse sentido, um religioso-cultural (a questão da circuncisão dos gentios convertidos) e outro sociopolítico (a questão de Jerusalém e do templo em 70 d.C). Depois da guerra, o judaísmo farisaico tornou-se xenófobo demais para tolerar qualquer coisa exceto uma abordagem judaica de linha dura e exclusiva. Os cristãos judaicos foram forçados a escolher entre a ‘igreja’ e a sinagoga, e parece que muitos escolheram esta última. Além disso, o clima da época fazia com que fosse virtualmente impossível recrutar mais conversos do judaísmo. Assim, a ‘igreja’ reagiu com uma atitude antijudaica à posição anticristã do judaísmo.
Todavia, temos de perguntar-nos se elas eram de fato evitáveis, dado o contexto todo em que se encontrava o cristianismo primitivo. É muito provável que não o fossem.
No entanto, temos de perguntar se é justo esperar que um movimento sobreviva apenas como movimento. Ou o movimento se desintegra ou então torna-se uma instituição – isto é simplesmente uma lei sociológica.
Texto extraído do livro de David J. Bosch – Missão Transformadora. (2002:74-76).
Numa visão simplista, podemos dizer que foi vontade de Deus. No entanto, olhando o passando e observando o avanço da sociedade, penso que sempre há escolhas no presente que terão seu reflexo no futuro. Dependendo da forma como organizamos as questões e optamos, por esta ou aquela escolha, os resultados podem ser previsíveis. Dessa forma, podemos sugerir várias possibilidades das quais a ‘igreja’ primitiva poderia ter optado, pois não fizemos parte desta história.
É sabido que, quando nos organizamos em grupos para alguma tarefa específica, o consenso, muitas vezes é desgastante e o comum acordo nem sempre são alcançados. Assim como você, conheço muitos movimentos que se tornaram instituições, e não passou muito tempo, findou suas atividades. Conheço movimentos que perduram, mas são poucos efetivos. Outros ainda que não querem se institucionalizar, justamente porque conhece os padrões das instituições de hoje e sua missão seria impraticável.
Assim, creio que Deus permite as decisões/escolhas dos homens.
A pergunta que faço é:
Até que ponto estou intimamente ligado a Deus, para que minha decisão esteja alinhada com a vontade Dele?
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BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos de Genebra – São Paulo: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
BOSCH, David J. Missão transformadora – Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão – São Leopoldo: Sinodal, 2002.
Seria pretensão querer acrescentar alguma coisa ao seu texto, muito claro e consistente. Talvez até falta de respeito, mas me atrevo nessa excelente oportunidade.
A despeito da aversão no judaísmo aos cristãos – em razão da acusação de que aqueles teriam matado o Messias – e da percepção destes de que era impossível uma, digamos assim, conversão em massa dos judeus, pela aceitação do messiado de Jesus, reforçando, a despeito de tudo isto, já ainda no final do 1º século, com a morte de quase todos os discípulos e apóstolos do círculo do Mestre, e mais ainda no 2º século, os cristãos perceberam que o Reino de que imaginavam não estava assim tão próximo. Não entenderam a mensagem messiânica, embora a proclamassem e dela fizessem a base para sistematizar a teologia da fé cristã. Somado a isso a própria natureza humana de se agrupar em micro-sociedades como sendo o único elemento de aglutinação das ideias e dos ideais comuns.
Depois do grande fracasso do ter tudo em comum (At 2:44,45 e correlatos) e ao depararem com a realidade de que nada tivesse sobrado do patrimônio doado pelos abastados convertidos, que servisse na grande fome da província romana (At 11:28 e seguintes; 1 Co 16:1, seguintes), nesta época já mais organizados em grupos micro-sociais, é possível que foram impelidos a buscar uma sistemática formalizada dos ajuntamentos: assim nasce a igreja-organização. Com estrutura rudimentar, mas até certo ponto formalizada.
Importante é que você aborda um ponto interessante: até que ponto Deus não tenha permitido tudo isso. Calvinista, digo: Deus permitiu e governou. Porquê, não sei.
Obrigado por suas palavras Antonio! Com certeza enriquece o diálogo! Também não tenho dúvidas sobre a soberania a condução de Deus na história. No entanto, o que chama a atenção, no tocante às decisões em grupo, fazê-las com propriedade e alinhadas com a vontade de Deus, foi, é, e ainda será, o grande desafio. Ao olharmos para trás, se torna relativamente fácil, opinar sobre mas, não estávamos no ‘calor’ das discussões, para opinar, por um lado ou por outro. Ao mesmo tempo, ainda penso, que há muitas mudanças que precisam ser feitas na igreja que poucos estão dispostos a fazer. Talvez, nos moldamos ao mundo – Rm. 12.1-2.