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A opção preferencial de Deus pelos pobres

Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Fevereiro/2019


Porque os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes. João 12:8

O capitalismo moderno, alicerçado na filosofia de Adam Smith, criou um mundo totalmente diferente daquele que se conhece até então. Dois séculos depois do iluminismo, diz Newbigin (1986:110), “vivemos em um mundo em que milhões de pessoas desfrutam de um padrão de riqueza material com que poucos reis e rainhas podiam então competir”. À medida que crescia sua riqueza, os cristãos ricos se inclinavam cada vez mais a interpretar metaforicamente as palavras bíblicas sobre pobreza. Os pobres eram os “pobres em espírito”, aqueles que reconheciam sua completa dependência de Deus. Nesse sentido, portanto, os ricos também podiam ser pobres – eles estavam em condições de reclamar todas as promessas bíblicas para si mesmos.

Gradualmente, porém, os semblantes dos pobres se impuseram à atenção dos cristãos ricos do Ocidente de uma forma que não podia mais ser ignorada ou alegorizada. O encontro da CMME ocorrido na Cidade do México começou a perceber esses rostos, mas ainda estava demasiadamente preocupado com a secularização para inferir daí consequências teológicas (cf. Dapper 1979:39). Depois da Conferência de Genebra de 1966, o ambiente mudou. Em sua “Mensagem”, a Assembleia de Uppsala afirmou:

Ouvimos o clamor daqueles que anseiam pela paz, dos famintos e explorados que exigem pão e justiça, das vítimas da discriminação que reivindicam justiça humana e dos crescentes milhões que buscam o sentido da vida. (WCC 1968:5).

Dapper escreve: “Ninguém pode duvidar de que esse é um discurso novo no Conselho Mundial; não se tenta mais evadir o clamor recorrendo a uma linguagem metafórica” (1979:45). Bangcoc (1973) ratificou a nova ênfase; termos como “salvação” se traduziam agora como “libertação”, “comunhão” como “solidariedade” (cf. Dapper 1979:53). Em Melbourne (1980), os pobres foram colocados no centro da reflexão missiológica; de fato, a conferência fez “uma afirmação cristalina de que a solidariedade com eles constitui atualmente uma prioridade crucial e central na missão cristã” (Gort 1980a:11s). De certa forma, os pobres tornaram-se a categoria hermenêutica dominante em Melbourne. Em pelo menos três das quatro seções (I, II e IV), os pobres ocupavam um lugar proeminente. Tecendo considerações após a conferência, Emílio Castro (1985:151) sugeriu que, em Melbourne, a afirmação dos pobres era o “princípio missiológico por excelência” e a relação da igreja com os pobres, “o padrão de comparação missionário”.

Evidentemente, o perigo em tudo isso é que, facilmente, se pode cair de novo na armadilha da “igreja para os outros” em vez da “igreja com os outros”, da “igreja para os pobres” em lugar da “igreja dos pobres”.

Indubitavelmente, tanto no Antigo Testamento quanto no ministério de Jesus havia um enfoque significativo nos pobres e em sua difícil situação. “A bíblia toda, iniciando com a história de Caim e Abel, reflete a predileção de Deus pelos fracos e maltratados da história humana” (Gutiérrez 1998:1-35). Grande parte desse etos foi preservado durante os primeiros séculos da igreja cristã (de Santa Ana 1977:36-64). Depois de Constantino, e na medida em que a igreja se tornava mais rica e privilegiada, os pobres foram cada vez mais negligenciados ou tratados de maneira condescendente.

De modo semelhante, uma consulta sobre o estilo de vida simples, co-promovida pela Comissão de Lausanne para a Evangelização Mundial e a Comunhão Evangelical Mundial (1980), foi muito além do tema “vida simples” e abordou exatamente a opção preferencial de Deus pelos pobres, o juízo divino sobre os opressões e o modelo da identificação do próprio Jesus com os pobres (cf. Scherer 1987:180).

Até este ponto, trago a citação de David J. Bosch em seu livro: Missão transformadora – Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão (2002:520-523), que utilizarei como base para outros futuros artigos.

Segue as citações de meu livro: Agentes de Esperança, e outros comentários.

Este mesmo assunto, segundo Calvino, o cristão tem responsabilidade para com o mundo. Em sua obra, Instituição da Religião Cristã (1536), precisamente no livro IV, capítulo IV, onde trata sobre o Estado da Igreja Primitiva e o Modo de Governo usado antes do Papa, Calvino descreve especificamente sobre questões de bens materiais e sua administração. Neste capítulo, Calvino (1988:854), diz que não cabe à Igreja acumular riquezas e permitir que o pobre morra de fome. Assim, pergunta ele:

Não perguntará Deus: Por que vocês estão consentindo que tantos pobres morram de fome, tendo ouro para comprar-lhes alimentos? Por que vocês deixaram levar cativos a tanta gente pobre, e não os resgataram? Por que vocês permitiram que matassem a tantos? Não seria melhor conservar os vasos vivos e não os vasos mortos de metal? (Apud BIANCO, 2016:9).

Percebe-se a preocupação na ajuda ao pobre, oportunizando-lhes o pão e o cuidado. Melhor seria o investimento na vida e no resgate do necessitado do que em ornamentos para a Igreja. Evidente parece ser nos dias atuais que a falta de recursos financeiros impede o avanço e a ajuda ao outro. No entanto, Calvino (1988:853) dá sua contribuição nesse sentido ao afirmar:

No que se dedicava a adorno dos templos, ao princípio era bem pouco. Inclusive depois que a Igreja se enriqueceu bastante, não se deixou de observar certa moderação nisso. Todavia, todo o dinheiro que se destinava a este fim, se depositava e dedicava aos pobres, quando as necessidades o requeriam. Assim, Cirilo, bispo de Jerusalém, como não podia socorrer de outra maneira as necessidades dos pobres, em tempo de fome, vendeu todos os vasos e ornamentos sagrados. (Apud BIANCO, 2016:9).

Semelhante modo disse o Papa Francisco em uma mensagem aos participantes de um congresso sobre a gestão dos bens culturais eclesiásticos e a cessão de lugares de culto, realizado pelo Pontifício Conselho para a Cultura e pela Conferência Episcopal Italiana (CEI), em novembro de 2018:

Os bens culturais são voltados às atividades de caridade desenvolvidas pela comunidade eclesiástica. O dever de tutela e conservação dos bens da Igreja, e em particular dos bens culturais, não tem um valor absoluto, mas em caso de necessidade eles devem servir ao bem maior do ser humano e especialmente estar a serviço dos pobres. (ISTOÉ, 2018)

Concluo esta reflexão com o relato de uma situação, no mínimo ‘interessante’, que ouvi de um ‘líder’ em uma reunião, quando estava falando sobre o trabalho com os pobres.

Ele disse:

“Nossa igreja não tem perfil para trabalhar com os pobres”.

Fiquei sem palavras e encerrei minhas argumentações, pois todos os demais, concordaram com esta afirmação.

Reconheço que esta área não é fácil, requer empenho e dedicação, mas é vital para igreja.

Requer preparo e estudo por parte daqueles que querem atuar e fazer a diferença, de forma positiva na vida das pessoas que realmente precisam.

Em agosto/2018 escrevi o artigo: ‘Quando a ajuda causa danos. Sugiro a leitura antes de iniciar qualquer trabalho desta natureza.

E a sua igreja, tem ‘perfil’ para trabalhar com os pobres?

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Baixar em PDF :  

BIANCO, Claudecir. Agentes de Esperança – Estabelecendo o Shalom de Deus através da missão integral – Curitiba: E-book – Amazon, 2016.

BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos de Genebra – São Paulo: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

BOSCH, David J. Missão transformadora – Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão – São Leopoldo: Sinodal, 2002.

CALVINO, Juan. Institución de la Religión Cristiana. Buenos Aires: Nueva Creación, 1988.

ISTOÉ, Revista. Papa sugere vender bens da Igreja para ajudar pobres. Mundo, 29/11/18 – 09h13, Diponível em: <https://istoe.com.br/para-sugere-vender-bens-da-igreja-para-ajudar-pobres/> Acesso em: 16 fev. 2019.

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