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Roubaria o homem a Deus?

Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Setembro/2021


Contudo vocês roubam a mim. Mas vocês perguntam: ‘Como te roubamos a ti?’

Em dízimos e ofertas.[…]

Profeta Malaquias, capítulo 3, versículo 8[1]

Convido você a uma reflexão sobre uma das questões mais polêmicas dentro das igrejas da atualidade. Minha intenção não é causar qualquer constrangimento ou atacar quem quer seja, mas apenas, responder um questionamento de um amigo e mostrar um estudo sério sobre um tema complexo e ‘intocável’ na cristandade de forma geral. Vale lembrar que, para qualquer argumentação contrária a estas próximas linhas, há a necessidade de um aprofundamento dedicado em estudos e reflexões sobre a história Israel/judaica e do cristianismo desde o primeiro século. No entanto, nada lhe impede de, simplesmente, se opor por convicção passiva (ou não) sobre este assunto, é claro!

Logo, é importante notar que (já me antecipando) meu entendimento sobre o chamado ‘dízimo’ é maior do que os 10% realizados dentro de uma rotina cega, proveniente de um desencargo de consciência em uma tentativa de ficar bem com Deus (e com os líderes da Igreja). E, esse ‘maior’, que me refiro, não se trata de montante percentual aumentado, mas o conjunto da nossa disposição em compreender como deve ser a nossa oferta ao Senhor, alinhados com os ensinos de Cristo que dizem respeito a levar as boas novas do Reino de Deus (Evangelização) e amor ao próximo com práticas concretas.

Me permitam, uma breve introdução de cunho particular. Por muito tempo, venho refletindo e estudando sobre o referido tema. Cresci em lar evangélico e desde muito cedo fui conduzido por meus pais à igreja e ao processo litúrgico do culto.

Por várias vezes, eles me davam algumas moedas para que no momento certo do culto, eu fosse até o ‘altar’ entregar aquelas moedinhas. Interessante que repliquei o mesmo modelo aos meus filhos, quando eles eram crianças.

A situação financeira e social de minha família, quando eu era ainda criança, não foi uma das melhores. Por vezes, nossa alimentação era regrada e compartilhada em porções iguais, para que não viesse a faltar para os outros dias da semana. Em outras ocasiões, comíamos o que conseguíamos colher de uma pequena horta de tínhamos na frente de nossa casa.

Não sei exatamente o que nos levou a frequentar uma igreja no centro da cidade que não tinha nada a ver com nossa característica social. Na minha cabeça de criança, pensava que aquelas moedinhas poderiam nos ajudar a comprar um pouco mais de comida para não termos tão pouco durante os dias que se seguiam, pós culto dominical. Via a estrutura daquela igreja e reparava na sua beleza e os recursos que tinham, diferente de nós. Só para se ter uma ideia, nossa casa era muito velha e quando tinha chuvas com ventos fortes, balançava, mas não caia. Isso causava em mim muito pânico.

Passados os anos, conseguimos melhorar nossa condição de vida, graças à dedicação de meus pais. Continuamos na mesma igreja e, alguns pastores passaram por lá. Foi nesta igreja que participei, enquanto criança, adolescente, jovem e adulto. Foi lá que reconheci o sacrifício de Jesus por mim. Foi lá que me casei, batizei meus filhos, tive o meu chamado missionário. Assim, pude observar a passagem de alguns pastores por todo este tempo, alguns  permaneciam curto período de tempo, outros mais. Todos, no entanto, enfatizavam a entrega dos dízimos e ofertas como sendo ‘obrigação de todo cristão’. Um deste pastores, em especial, marcou muito essa prática na igreja, ao afirmar aos gritos a parti do púlpito, num domingo pela manhã que, quem não entregasse seu dízimo seria amaldiçoado por Deus. Pensei comigo mesmo: De onde ele tirou essa ideia? E observem o peso que este líder estava trazendo para o povo que estava ali reunido. Essa fala, trazia um efeito muito prático para aqueles desavisados e ignorantes, que não estudam a bíblia. Ainda hoje, creio que muitos afirmam o mesmo, pois dizem que o ‘dízimo’ está na bíblia (de fato está), mas seria exatamente da forma como estão ‘ensinando’ nas igreja? Cuidado, não se deixe enganar, não é bem assim!

O que vou apresentar nas próximas, linhas é a integra do capítulo 8 do livro ‘Cristianismo Pagão?[2] dos autores Frank Viola e George Barna, o qual, sugiro que leia a obra completa para maior reflexão.

A intenção em escrevem sobre este tema foi por sugestão de um amigo. Meses antes, havíamos conversado sobre questões dessa natureza. Dessa forma, para não tratar desse assunto de uma forma muito personalizada e ser rotulado como principal pecador, resolvi abordar aqui as reflexões de outros autores.

Comprei esse livro por indicação de um primo meu. Ele comentou sobre o livro em uma de nossas conversas e achei interessante sua exposição. Ao folhar o livro, que tinha em minhas mãos, me surpreendi com o referido capítulo, pois meu primo não havia comentado sobre isso e nem eu, percebi as abordagens dos autores, quando estava checando o livro para a compra.

Dessa forma, deixo vocês com o texto, na íntegra, do capítulo 8 desta obra, que vale a pena ler e refletir sobre como nossa prática cristã, se encaixa, ou não, dentro dessa abordagem.

Em cada capítulo, o autor trata com profundidade cada subtema e sempre, atribui notas com textos bíblicos e, referência de outros autores que corroboram ou, se aprofundam em seus argumentos.

No entanto, busquei reproduzir aqui, apenas algumas citações bíblicas mais relevantes que foram designados com as letras Cf. (Conforme) e, ou, entre aspas incorporados no texto.

Boa leitura e boas reflexões!

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CAPÍTULO 8

Dízimos e Salário do Clero: Um Peso na Carteira

“Ao contrário de muitas pessoas,

não somo mercenários da Palavra de Deus.”

Paulo de Tarso, em 2 Coríntios 2.17

 

“A igreja, abraçando a massa da população do Império, de César até o escravo mais miserável e vivendo em meio às suas instituições, recebeu em seu seu vasto depósito de materiais estrangeiros pagãos de todo o mundo… Por mais que a Grécia e a Roma antiga tenham caído para sempre, o espírito do paganismo greco-romano não se extinguiu. Ainda vive no coração natural do homem, o qual necessita como sempre, das regenerações pelo Espírito de Deus. Vive também em muitos hábitos idólatras e supersticiosos das igrejas gregas e romanas, contra os quais o puro espírito do Cristianismo tem protestado desde o início e assim continuará, até que todos os vestígios da idolatria ofensiva e refinada sejam vencidos tanto interna quando externamente, e batizados e santificados não somente com água, mas também com o espírito e fogo do evangelho.” – Philip Schaff, Historiador da Igreja do Século 19

 

 

“ROUBARIA O HOMEM A DEUS? Contudo vocês roubam a mim, mas vocês perguntam: ‘Como te roubamos a tí?’ Em dízimos e ofertas. Vocês estão debaixo de uma maldição, toda a nação, porque estão me roubando. Tragam todo o dízimo ao alforge, para que haja comida em minha casa. Prove-me nisso, disse o Senhor Todo Poderoso, e vejam se eu não abrirei as comportas do céu e derramarei tanta bênção que vocês não terão suficiente espaço para guardá-las.” Malaquias 3.8-10

Esta passagem parece ser o versículo preferido de muitos pastores, especialmente quando a maré está baixa. Se você frequentou a igreja contemporânea por algum tempo, deve ter escutado essa passagem sendo lida do púlpito em muitas ocasiões. Considere um pouco da retórica que acompanha esse tema:

“Deus ordena que vocês deem seus dízimos fielmente. Se vocês não dizimam, estão roubando de Deus Todo-Poderoso, e estão colocando-se debaixo de uma maldição”.

 

“Seus dízimos e ofertas são necessários para que a obra de Deus continue!”  – (A ‘obra de Deus’, naturalmente, significa assalariar o cargo de pastor e pagar as contas mensais para manter o edifício sem dívidas).

Qual é o resultado desse tipo de pressão? O povo de Deus é obrigado a dar o dízimo de seus salários mensalmente. Quando o faz, sente que Deus fica feliz e espera que Ele os abençoe financeiramente. Quando falha, sente que foi desobediente e espera por uma maldição financeira.

Mas voltemos alguns passos e formulemos duas perguntas penetrantes: 

“A Bíblia nos ensina a dizimar?

Somos espiritualmente obrigados a patrocinar o pastor e sua equipe?”

A resposta a essas duas perguntas pode chocar você. 

 

O DÍZIMO É BÍBLICO?

O dízimo aparece na Bíblia? Sim, pois é bíblico, mas não é cristão. O dízimo pertence a Israel antigo. Era, na essência, o imposto de renda. No primeiro século, não há registro de cristãos dizimando no Novo Testamento.

A maioria dos cristãos não tem a menor sombra de dúvida sobre o que a Bíblia ensina no que se refere ao dízimo. Então, vejamos. A palavra dízimo simplesmente quer dizer a décima parte.

O Senhor instituiu três classes de dízimos para os israelitas como parte de seu sistema de impostos, a saber:

– Um dízimo do produto da terra para sustentar os levitas, que não tinham herança em Canaã;

– Um dízimo do produto da terra para patrocinar festas religiosas em Jerusalém. Se o produto pesasse muito para ser levado a Jerusalém, poderia ser convertido em dinheiro; 

– Um dízimo do produto da terra arrecadado a cada três anos para os levitas locais, órfãos, estrangeiros e viúvas.

Esse era o dízimo bíblico. Note que Deus ordenou a Israel que desse 23,3% de suas rendas a cada ano, e não os 10%.

Esses dízimos consistiam do produto da terra – que incluíam a semente do fruto da terra e o rebanho, ou a manada. Era o produto da terra, não dinheiro.

Tracemos um paralelo claro entre o sistema do dízimo de Israel e o sistema moderno de tributação no Brasil.

Israel era obrigado a sustentar seus funcionários públicos (sacerdotes), feriados (festivais) e pobres (estrangeiros, viúvas e órfãos) com seus dízimos anuais. A maioria dos modernos sistemas de tributação serve ao mesmos propósito.

Com a morte de Jesus, todos os códigos cerimoniais, governantes e religiosos que pertenciam aos judeus foram cravados na Sua cruz e enterrados para sempre… nunca mais usados para nos condenar. Por essa razão, nunca vemos nenhum cristão no Novo Testamento dando o dízimo. Da mesma forma que não os vemos sacrificar cabritos e touros para cobrir seus pecados! Paulo escreveu:

“E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões pela incircuncisão da vossa carne; vos deu vida justamente com Ele, perdoando todos os nossos pecados; e cancelou a escrita de dívidas, que consistia em ordenanças, e que nos era contrária. Ele a removeu completamente, pregando-a na cruz. Portanto, ninguém tem o direito de vos julgar pelo que comeis, ou pelo que bebeis, ou ainda com relação a alguma festa religiosa, celebração das luas novas ou dos dias de sábado. Esses rituais são apenas sombra do que haveria de vir; a realidade, todavia, se encontra em Cristo”. Colossenses 2.13-17. Veja também Hebreus 6-10.

Dizimar pertence exclusivamente a Israel, sob a Lei. No aspecto financeiro, vemos os santos do primeiro século dando alegremente de acordo com sua capacidade – não para obedecerem a um mandamento. Na igreja primitiva, a oferta era voluntária.

E os que se beneficiavam disso eram os pobres, órfãos e viúvas, doentes, prisioneiros e estrangeiros.

Agora mesmo, posso ouvir alguém fazer a seguinte objeção:

“E quanto a Abraão? Ele viveu antes da Lei. Nós o vemos dizimar ao sumo sacerdote Melquisedeque (Gênesis 14.17-20). Isso não contraria seu argumento de que o dízimo é parte da Lei de Moisés?”

Não, não contraria. Primeiramente, o dízimo de Abraão era completamente voluntário, e não obrigatório. Deus não o ordenou como havia feito com o dízimo de Israel.

Em segundo lugar, Abraão dizimou os bens que adquiriu depois de alguma batalha e não de suas rendas ou sua propriedade. A atitude de dizimar de Abraão seria algo como ganhar na loteria ou na mega sena ou receber uma bonificação no trabalho e depois dizimá-los.

Terceiro e mais importante, Abraão dizimou nessa única vez em todos os seus 175 anos aqui na terra. Não há evidências de que voltou a repetir essa atitude. Se você deseja usar Abraão como ‘texto de prova’ para dizer que os cristãos precisam dizimar, então você só pode ser obrigado a dizimar apenas uma vez.

Isso nos remete ao texto tão repetido citado anteriormente em Malaquias 3. O que Deus disse ali? Primeiramente, essa passagem foi dirigida ao antigo Israel quando este estava sob a Lei Mosaica.

O povo de Deus estava retendo seus dízimos e ofertas. Considere o que acontecia se os americanos se recusassem a pagar seus impostos sobre suas rendas. A lei americana qualifica isso como roubo. Os culpados seriam castigados por roubar ao governo.

Da mesma forma, quando Israel reteve seus dízimos (impostos) roubando a Deus – Ele instituiu o sistema do dízimo. Então o Senhor mandou que seu povo trouxesse seus dízimos ao celeiro [alforge], que ficava situado nas câmaras do Templo. Essa câmara era separada para receber os dízimos em espécie, não em dinheiro, para o sustento dos levitas, pobres, estrangeiros e viúvas. (Cf. Ne. 12.44; 13.12-13; Dt. 14.28-29; 26.12).

Note o contexto de Malaquias 3.8-10. No versículo 5, o Senhor diz que julgará os que oprimem as viúvas, os desamparados e os estrangeiros. E diz:

Eu Me movimentarei com rapidez para castigar os que praticam bruxaria, os adúlteros, os mentirosos, os que roubam o salário de seus empregados, os que exploram as viúvas e os órfãos, que privam os estrangeiros da justiça, e enfim, todos os que não Me respeitam”.

As viúvas, os órfãos e os estrangeiros eram os dignos recebedores do dízimo. Por reter os dízimos, Israel oprimiu esses três grupos. É aqui que está o coração de Deus em Malaquias 3.8-10; Ele se opõe a opressão aos pobres. 

Quantas vezes você as ouviu pastores enfatizarem esse ponto quando pregam sobre Malaquias 3? Das centenas de sermões que ouvi sobre dízimo, nenhuma vez escutei sobre o que a passagem trata. Ou seja, os dízimos eram para sustentar as viúvas, os órfãos, os estrangeiros, e os levitas (que não tinham qualquer propriedade).

 

A ORIGEM DO DÍZIMO E DO SALÁRIO CLERICAL 

O Novo Testamento encoraja os crentes a dar de acordo com sua possibilidade. Os cristãos da igreja primitiva ofertavam para ajudar os outros crentes e também para sustentar obreiros apostólicos, permitindo que viajassem e plantassem igrejas. (Cf. citação do autor – Ajudar outros crentes: Atos 6.1-7, 11.27-30, 24.17; Romanos 15.25-28; 1ª Coríntios 16.1-4; 2º Coríntios 8.1-15; 9.1-12; 1ª Timóteo 5.3-16. Sustentar plantadores de igrejas: Atos 15.3, Romanos 15.23-24; 1ª Coríntios 9.1-14, 16.5-11; 2º Coríntios 1.16; Filipenses 4.14-18; Tito 3.13-14; 3ª João 1.5-8. Existe uma íntima relação entre carteira e o coração. Um em cada seis versículos de Mateus, Marcos e Lucas tem a ver com dinheiro. Das trinta e oito parábolas no Novo Testamento, doze te a ver com dinheiro.)

Um dos testemunhos mais notáveis da igreja primitiva estão relacionados em como os cristãos eram generosos aos pobres e necessitados. Foi isso que atraiu os de fora, incluindo o filósofo Galeno, que observando a influência pura e impressionante da primeira igreja, disse:

“Continuem amando como eles se amam”.

No século 3, Cipriano foi o primeiro escritor cristão a mencionar a prática de sustentar financeiramente o clero. Argumentava que, da mesma forma como os levitas foram sustentados pelo dízimo, assim também o clero cristão deveria ser sustentado, o que representa um pensamento equivocado. O sistema levítico já foi eliminado. Todos nós somos sacerdotes agora. Então, se um sacerdote exige o dízimo, todos os cristãos devem ‘dizimar-se mutuamente’!

O pedido de Cipriano foi bem incomum naquele tempo. Tanto que não foi apoiado nem divulgado pelo povo naquele momento, e sim muito tempo depois. Nenhum escritor cristão antes de Constantino, além de Cipriano, jamais utilizou referência no Velho Testamento para solicitar dízimo. Apenas no século 4, 300 anos depois de Cristo, alguns líderes cristãos começaram a defender o dízimo como prática cristã para sustentar o clero. Mas isso não chegou a ser comum entre os cristãos até o século 8! Segundo um pesquisador, ‘nos primeiros setecentos anos isso quase não foi mencionado [os dízimos]’.

Relatar a história do dízimo cristão é um exercício fascinante. O dízimo migrou de Estado para a Igreja. Na Europa Ocidental, exigir o dízimo da produção de alguém era cobrar o aluguel da terra arrendada. A cobrança do aluguel de 10% [calculada para ser paga aos donos das terras] era entregue à Igreja – que aumentava sua quantidade de terras ao longo da Europa. Líderes eclesiásticos se tornaram donos [senhores] das terras e o dízimo, imposto eclesiástico! Esse valor de 10% de aluguel tinha agora outro significado: era considerado uma lei do Antigo Testamentos e identificada como o ‘dízimo levítico’! Por conseguinte, basearam a instituição “Dízimo Cristão” em uma fusão da prática do Velho Testamento com a instituição pagã e um sistema comum de libertação de terras na Europa Medieval.

No século 18, o dízimo chegou a ser um requisito legal em muitas áreas da Europa Ocidental. Pelo fim do século 10, a diferença do dízimo sobre o imposto de renda (terra) apoiado no Antigo Testamento havia desaparecido. O dízimo [do AT] permaneceu como obrigatório [mandamento moral], e entrou como uma prática imperativa por toda a Europa Cristã.

Em outras palavras, antes do século 8, o dízimo era um ato de oferta voluntária. Mas no fim do século 10, passou a ser uma exigência legal para sustentar a igreja estatal – exigida pelo clero, e cumprida pelas autoridades seculares.

Hoje a prática do dízimo deixou de uma exigência legal em todos os países. Porém, a prática de dizimar está tão viva hoje como no tempo em que era um requisito legal.

De fato, você não vai ser castigado fisicamente por não dizimar, mas se não for um ‘dizimista’ – isso se aplica à maioria das igrejas modernas – será excluído das posições importantes do ministério. E sempre será culpado e agredido de cima do púlpito! Deram o ministério ancião a um amigo em uma igreja conhecida. Por causa de sua preferência por ofertar anonimamente (não usava cheques), lhe tiraram o ministério. O motivo? Disseram-lhe que a igreja tinha que saber que estava obedecendo a Deus e quem não estava. Essa era a política extensível a todos de uma determinada denominação. Apenas dizimistas deveriam ser anciãos.

Quanto aos salários do clero, os ministros não receberam salários durante os primeiros três séculos, mas quando Constantino entrou em cena, instituiu a prática de pagar um salário fixo ao clero dos fundos eclesiásticos e das tesourarias municipais e imperiais. Assim, nasceu o salário do clero, uma prática perniciosa que não tem precedentes no Novo Testamento.

Não há dúvidas de que é obrigatório aos crentes sustentar a obra do Senhor financeiramente e ajudar os pobres generosamente: duas atitudes que as Escrituras ordenam e o Reino de Deus também necessita. A adequabilidade do dízimo como lei cristã e como é normalmente usada: salários clericais, custos operacionais e despesas da igreja [prédio] são os assuntos em análise neste capítulo.

 

UM FARDO SOBRE OS POBRES 

Se um crente quiser dizimar por decisão ou convicção pessoal, tudo bem. O dízimo se torna um problema quando é representado como mandamento de Deus, algo obrigatório a todos os crentes.

Debaixo do sistema do Antigo Testamento, o dízimo era considerado “boas novas” aos pobres. Contudo em nossos dias, o dízimo obrigatório se iguala à opressão sobre o pobre. Não são poucos aqueles que são ensinados sobre o dízimo como um mandamento de Deus e que têm pouco recursos e dificuldades econômicas para viver que se sentem culpados se não o cumprirem, mergulhando numa pobreza maior ainda, porque alguém lhes disse que se não dizimarem roubarão a Deus.

Desta maneira, o dízimo esvazia o evangelho enquanto “boas novas aos pobres”. Ao invés de boas notícias, o dízimo chega como um fardo. No lugar da liberdade, a opressão. Esquecemos que o dízimo original que Deus estabeleceu para Israel era para beneficiar os pobres, não para prejudicá-los!

Por outro lado, o dízimo contemporâneo são boas novas para os ricos. Para uma pessoa com rendimentos altos, 10% é uma soma ínfima. Dizimar, portanto, apazigua a consciência do próspero, não exercendo nenhum impacto significante sobre seu estilo de vida. Não são poucos os cristãos ricos que são levados a pensar [erroneamente] que estão “obedecendo a Deus” pelo fato de colocarem míseros 10% de suas rendas na bandeja da oferta.

Deus tem uma perspectiva bem diferente relacionada ao ato da oferta. Lembre-se da parábola das moedas da viúva:

E erguendo os olhos, Jesus observou os ricos colocando suas contribuições nas caixas para coleta de ofertas. Percebeu também que uma viúva pobre ofertou duas pequenas moedas judaicas. E exclamou: “Com toda certeza vos asseguro que esta viúva pobre contribuiu mais do que todos eles juntos. Porquanto todos os ofertantes deram daquilo que lhes sobrava; esta, porém, da sua extrema pobreza, deu tudo o que tinha, todo o seu sustento!” (Lucas 21.1-4).

Lamentavelmente, o dízimo muitas vezes é visto como uma prova definitiva de discipulado. Se você é um bom cristão, você dizimará (pelo menos é assim que se pensa). Mas, esse é um emprego falso. O dízimo não é nenhum sinal de devoção cristã. Se assim fosse, todos os cristãos do primeiro século, das igrejas que Paulo plantou, teriam sido condenados por falta de devoção, porque todas as evidências disponíveis mostram que eles não dizimavam.

(Comentário do autor: Paulo plantou, aproximadamente, catorze igrejas. Todas de gentios. Paulo nunca impôs a Lei sobre eles (veja Gálatas). Dizer que as igrejas gentias que Paulo plantou dizimavam, é um argumento proveniente do silêncio e vai contra o âmago do evangelho livre de leis. Para Paulo, se alguém dizimava, este era um devedor a toda a lei, que incluía até a circuncisão (Gálatas 5.3).

O salário do clero é a raiz persistente detrás do constante empurrão para que as pessoas dizimem na igreja contemporânea. Muitos pastores sentem que é necessário pregar o dízimo e lembrar a congregação de sua obrigação de apoiá-lo em suas programações. E usam a promessa de uma bênção financeira ou o temor de uma maldição financeira para assegurar que os dízimos continuem sendo arrecadados.

Dessa maneira, o dízimo moderno é o equivalente a uma loteria cristã. Pague o dízimo e Deus lhe devolverá mais dinheiro depois. Recuse dar o dízimo e Deus lhe castigará. Tais pensamentos rasgam o coração das boas novas do evangelho.

A mesma coisa poderia ser dita quando ao salário do clero, que tampouco tem qualquer mérito. De fato, o salário do clero corre totalmente em sentido oposto à Nova Aliança (Cf. Atos 20.17-38 e 1ª Tessalonicenses 2.9; 1ª Pedro 5.1-2).

Os anciãos (pastores) do primeiro século nunca receberam salários. Eram homens com profissões seculares contribuindo com o rebanho ao invés de tomar o dinheiro da congregação. Era um grupo de anciãos para quem Paulo dirigiu calmas palavras:

“De ninguém cobicei prata, nem ouro, nem roupas. Vós mesmos sois testemunhas que estas mãos trabalharam para suprir minhas necessidades e as de meus companheiros. Por meio de todas as minhas realizações, tenho-vos mostrado que mediante trabalho árduo, devemos cooperar com os necessitados, lembrando as palavras do próprio Senhor Jesus: ‘É mais bem-aventurado dar do que receber.’” Atos 20.33-35

Dar um salário a um pastor o eleva acima do resto do povo de Deus. Cria uma casta clerical que converte o corpo vivo de Cristo em um negócio. Desde que o pastor e seus assistentes sejam ‘pagos’ para ministrar, tornam-se profissionais remunerados. O resto da congregação cai em um estado de dependência passiva.

Se todo o cristão atendesse ao chamado para ser um sacerdote funcional da casa do Senhor (e eles foram chamados para exercê-lo), esta seria a questão que surgiria imediatamente: “Por que estamos pagando nosso pastor!?”.

Mas na presença de um sacerdócio passivo, tais perguntas nunca surgem. Quando ocorre o contrário, quando a igreja funciona como deve funcionar, o clero profissional torna-se desnecessário. De repente, o pensamento isto é trabalho do pastor perece herético. Em termos simples, o clero profissional nutre a ilusão pacífica de que a Palavra de Deus é um material confidencial (e perigoso) que apenas especialistas oficiais podem manejar.

(Comentário do autor: As palavras de Jesus vêm à mente: “Ai de vós, advogados da lei! Porque vos apropriastes da chave do conhecimento…” Lucas 11.52).

Porém, isso não é tudo. O ato de pagar um salário ao pastor encoraja-o a ser complacente com os homens. Torna-o escravo dos homens. O ‘vale refeição’ do pastor está garantido na medida em que agrada a congregação. Assim, ele nunca está à vontade para expressar-se livremente sem ter medo de perder alguns fortes dizimistas. (Pastores já confessaram isso a nós, inclusive).

Um perigo adicional do sistema do pastor remunerado é que produz “clérigos” que se sentem “presos” ao pastorado porque lhes faltam habilidades profissionais. Eu (Frank) conheço, pessoalmente, um bom número de pastores que sentiram a convicção de deixar o ministério. Toda sua preparação foi dedicada ao estudo e pregações da Bíblia. Embora essa habilidade sejam dignas de atenção, são limitadas em relação ao mercado de trabalho secular. O maior obstáculo que enfrentam agora é forjar uma carreira para sustentar suas famílias. Um amigo ex-pastor está escrevendo um pequeno libro sobre como os pastores podem encontrar empregos e ingressar em suas novas carreiras após deixar o sistema clerical. Suas ideias não estão baseadas em teorias. Ele e muitos outros têm vivido essa realidade.

Mesmo assim, ter a consciência da falta de apoio bíblico para seu ofício é uma dificuldade fora do comum para muitos pastores contemporâneos, pois dependem dele financeiramente. Como disse Upon Sinclair:

É difícil para um homem entender que seu salário depende de sua própria falta de compreensão”. Não é de se estranhar que são homens de uma tremenda coragem e fé (para sair do pastorado).

Muitos de meus (Frank) amigos pastores admitiram que fizeram parte de um sistema religioso que sutil, mas profundamente, causa danos a eles e suas famílias. Infelizmente, a maioria do povo de Deus é intensamente ingênua com relação ao poder opressivo do sistema religioso, que não se cansa de triturar e magoar a si mesmo.

 

OS PORTEIROS E AS BANDEJAS DE COLETA

Apesar desses problemas, coletar dízimos e ofertas agora é parte de quase todos os cultos da igreja. Como que a prática de porteiros passarem a coleta de ofertas tomou forma? Essa é outra invenção pós apostólica. Começou em 1662, embora a bandeja de esmola para os pobres estivesse presente antes deles.

O porteiro da igreja surgiu da reorganização da liturgia da Igreja da Inglaterra sob o reinado de Elisabeth I (1533-1603). Os porteiros da igreja tinham a responsabilidade de acompanhar e acomodar as pessoas nos bancos ou cadeiras (em parte para garantir que lugares reservados não fossem tomados por outras pessoas), coletar ofertas e manter estatística dos que comungavam. O predecessor do porteiro de igreja foi o “carregador”, que era de uma ordem menor (abaixo do clero) e surgiu no século 3. Os carregadores tinham a responsabilidade de dar segurança, abrir as portas da igreja, manter a ordem dentro do edifício e assumir direção geral dos diáconos. Os carregadores foram substituídos pelos “representantes da igreja” na Inglaterra antes e durante o período da Reforma. Depois deles, surgiu o porteiro da igreja.

 

CONCLUSÃO

Como vimos, embora o dízimo seja bíblico, não é cristão. Jesus Cristo não o ensinou aos discípulos. (Cf. Mateus 23.23, Jesus estava desafiando a inconstância dos fariseus e doutores da lei, e não estava direcionando e aconselhando os discípulos). Os cristãos do primeiro século não o observaram. E por cerca de 300 anos, o povo de Deus não o praticou. Dizimar não era uma prática aceita em grande escala entre os cristãos até o século 8, apesar de doarem com generosidade – frequentemente mais do que a porcentagem de 10% de seus recursos – desde o começo.

O dízimo é mencionado apenas quatro vezes no Novo Testamento. Mas nenhuma dessas quatro ocorrências se refere aos cristãos. Murray diz que:

“Esses quatro exemplos não estão provando para que os discípulos dizimem e nem deveria ser uma prática cristã. Segundo este autor, afirma que, de acordo com Jesus, o dízimo está mais relacionado com o legalismo e o sentimento de superioridade moral [farisaísmo] do que com o modelo a ser imitado”.

O dízimo pertencia a um período do Antigo Testamento, em que um sistema de tributação foi estabelecido para apoiar aos pobres e um sacerdócio especial separado para ministrar ao Senhor. Com a vinda de Jesus Cristo, houve uma “mudança na lei” – o antigo acordo foi ‘cancelado’ e se tornou “obsoleto” dando lugar a um novo. (Cf. Hebreus 7.12-18; 8.13).

Agora, todos somos sacerdotes – livres para funcionar na casa de Deus. A Lei, o velho sacerdócio e o dízimo foram crucificados. Agora não há cortina do templo, nem impostos do templo, e nem um sacerdócio especial que se coloca entre Deus e o homem. Você está livre das ataduras do dízimo e da obrigação de apoiar o sistema clerical [antibíblico]. Você pode, como os cristãos macedônios, dar livremente, com alegria no coração, sem culpa e sem obrigações religiosas, ou até, sem manipulação… ajude generosamente os necessitados. (Cf. 2ª Coríntios 8.1-4; 9).

Termina aqui o texto do capítulo 8 do livro “Cristianismo Pagão?”

Que o Espírito de Deus produza em você reflexões profundas e lhe dê sabedoria!

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[1] – Bíblia de Estudos da Fé Reformada – São José dos Campo, SP : Editora Fiel, 2021

[2] – Viola, Frank e Barna, George. Cristianismo Pagão? – Analisando as origens das práticas e tradições da Igreja – São Paulo, SP : Editora Abba Press, 2008 

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