Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Fevereiro/2019
A vós vos é dado saber os mistérios do reino de Deus, mas aos que estão de fora todas estas coisas se dizem por parábolas… Marcos 4:11
A expressão “reinado de Deus” (malkuth Yahweh em hebraico) não aparece no Antigo Testamento (Bright 1953:18). Encontramo-la pela primeira vez no judaísmo tardio, embora a ideia em si seja mais antiga. Ela se desenvolveu passando por diversos estágios. A certa altura, cria-se que o governo real de Deus se manifestaria da dinastia davídica (cf. 2 Sm 7.12-16). Em outro estágio, pensava-se que Deus reconciliaria e governaria o mundo a partir do templo através dos sacerdotes (cf. Ez 40-43). Essas duas expectativas não deram em nada (Bright 1953:24-70). Assim desenvolve-se a convicção, particularmente durante períodos de dominação estrangeira, de que o reino de Deus era uma entidade inteiramente futura e se manifestaria numa completa inversão de posições, em que Israel ficaria por cima e os opressores virariam oprimidos (cf. Bright 1953:156-186; Boff 1983:56s.). Era esta última concepção que predominava durante o ministério terreno de Jesus. Ela ainda se reflete, por exemplo, nas palavras ditas pelos discípulos após a Páscoa: “Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?” (At 1.6).
O reinado de Deus (basileia tou Theou) está, sem dúvida, no centro de todo o ministério de Jesus. Está igualmente no centro de sua compreensão de sua própria missão. Pode-se até dizer que, para Jesus, o reinado de Deus é o “ponto de partida e contexto para a missão” (Senior e Stuhlmueller 1983:144) e questiona “os valores tradicionais do judaísmo antigo em pontos decisivos” (Hengel 1983b:61).
Não é fácil definir a concepção de Jesus acerca da Basileia. Ela fala do reinado de Deus principalmente em parábolas. E as parábolas são uma forma de discurso que deliberadamente vela o mistério do reinado de Deus (no sentido de Mc 4.11), ao mesmo tempo em que o desvela (cf. Lochman 1986:61).
Dois traços de pregação de Jesus acerca do reinado de Deus são de especial importância se desejamos avaliar a natureza missionária da auto compreensão e do ministério de Jesus.
Em primeiro lugar, o reinado de Deus não é entendido como exclusivamente futuro, mas como tanto futuro quanto já presente. Permanece, entretanto, uma tensão não-resolvida entre as dimensões presente e futura do reinado de Deus. Ele chegou, mas ainda virá.
Hoje em dia, entretanto, a maioria dos pesquisadores concordam que a tensão entre o “já” e o “ainda não” do reinado de Deus no ministério de Jesus faz parte da essência de sua pessoa e consciência, não devendo ser resolvida; é precisamente nessa tensão criativa que a realidade do reinado de Deus tem significância para nossa missão contemporânea (Burchard 1980).
A natureza missionária do ministério de Jesus também se revela numa segunda característica fundamental de seu ministério referente ao reino: ele desencadeia um ataque geral ao mal em todas as suas manifestações. O reinado de Deus chega em toda parte onde Jesus supera o poder o mal.
Naquela época, assim como no presente, o mal assumia formas: dor, doença, morte, possessão demoníaca, pecado e imoralidade pessoais, a insensível convicção da própria justiça por parte das pessoas que pretendiam conhecer Deus, a manutenção de privilégios especiais de classe, a fragmentação de relacionamentos humanos. Jesus, todavia, está dizendo: se a aflição humana assume muitas formas, o poder de Deus faz o mesmo.
É particularmente às pessoas na periferia da sociedade que ele comunica a possibilidade de vida nova com base na realidade do amor de Deus (Hengel 1983b:61). Essas pessoas podem manter a cabeça erguida como filhos de Deus e cidadãos de seu reino.
[…] Acaso isso significa que o reinado de Deus é político? Por certo, embora não necessariamente na acepção moderna do termo. Não podemos aplicar o ministério de Jesus diretamente a nossas controvérsias contemporâneas. […] Sua preocupação imediata é o pequeno mundo da Palestina e o establishment judaico, e não o romano.
Ainda assim, em outro sentido a manifestação do reinado de Deus em Jesus é eminentemente política. Declarar que leprosos, coletores de impostos, pecadores e os pobres são “filhos de reino de Deus” é uma afirmação resolutamente política, ao menos frente ao establishment judaico da época. Ela expressa um profundo descontentamento com o jeito como as coisas estão, um desejo fervente de vê-las mudadas.
[…] A fé na realidade e presença do reinado de Deus assume a forma de um movimento de resistência contra o destino, bem como contra a manipulação e exploração por outros (Lochman 1986:67).
[…] Esses presunçosos da Galiléia e seu bando maltrapilho de simples pescadores estão de fato subvertendo as convenções bem estabelecidas da sociedade. Eles entram no palco público com uma pretensão verdadeiramente estupenda: que Jesus e a corporificação e expressão da presença de Deus entre as pessoas, e que isso é apenas o início, que ainda virá mais. […] É desse modo também que as autoridades entendem o ministério de Jesus: ele é sedicioso e, por isso, não deve ser tolerado. Jesus não pode deixar de parecer politicamente perigoso para o establishment – e as autoridades percebem isso, bem mais claramente, na verdade, do que os próprios seguidores dele. No fim, ele é crucificado por causa do que foi interpretado como suas pretensões “políticas”. Pois é isso que elas eram – confessamente por razões diferentes – aos olhos tanto das autoridades romanos quanto das judaicas.
É a partir dessas observações que podemos, legitimamente, extrapolar da “prática de Jesus” (Echegaray 1984) para nossa própria. Não podemos nem aplicar as palavras e o ministério de Jesus em termos equivalentes a um mundo fundamentalmente diferente nem simplesmente deduzir “princípios” de seu ministério. Antes, e mais uma vez, somos desafiados a deixar que Jesus nos inspire para prolongar a lógica de seu próprio ministério de uma maneira imaginosa e criativa em meio a condições históricas mudadas. Hoje, assim como naquela época, deveria fazer toda a diferença para a sociedade se há dentro dela uma grupo de seres humanos que, focalizando sua mente na realidade do reinado de Deus e orando por sua vinda, defendam a causa dos pobres, sirvam os marginalizados, levantem os oprimidos e quebrantados e, sobretudo, “proclamem o ano do favor do Senhor” (cf. Lochman 1986:67). A missão na perspectiva do reinado de Deus inclui “fazer pessoas pobres, negligenciadas e desprezadas ficar de pé novamente, tendo recuperado sua humanidade plena perante Deus e as pessoas” (Matthey 1980:170).
[…] Nós sabemos que nossa missão não vai introduzir o reinado de Deus. Também Jesus não o fez. Ele inaugurou o Reino, mas não o levou à sua consumação. À semelhança dele, somos chamados a erigir sinais do reinado último de Deus – não mais do que isso, mas certamente também não menos (Käsemann 1980:67).
Texto extraído do livro de David J. Bosch – Missão Transformadora. (2002:52-56).
A intenção ao expor este texto é provocar reflexões teológicas no sentido de aprofundamento do conhecimento para certos temas que, a mim, chamam a atenção. Entendo que muitas igrejas deixaram de lado o estudo mais aprofundado sobre temas teológicos e, por outro lado, os membros se acostumaram a simplesmente frequentar os cultos sem qualquer outra pretensão.
Me parece também que, frequentar a igreja é mais importante do que ser igreja.
Seguir Jesus é muito mais fácil do que imitá-lo! [Leia meu artigo: Há muito tempo deixei de seguir Jesus!]
Assim, creio que a cristandade, entende e molda Cristo, cada um à sua maneira. Geração após geração, fazemos as mesmas coisas e seguimos os mesmos padrões, nunca nos perguntamos sobre o sentido e significado das cosias.
Observe e tente responder as seguintes questões:
- Que coisas Jesus fez no seu ministério?
- Quais atividades a igreja está fazendo hoje?
- Por que Jesus veio ao mundo? (Cf. Lucas 4.16-21)
- Quais ações, você poderia realizar fora do contexto da sua igreja?
Em breve abordarei esse assunto no artigo: Por que Jesus veio ao mundo?
Até lá, reflita e procure identificar conclusões que tenham sentido e significado para sua vida!
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BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos de Genebra – São Paulo: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
BOSCH, David J. Missão transformadora – Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão – São Leopoldo: Sinodal, 2002.