Menu fechado

De imitatione Christi

Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Fevereiro/2019


Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo – 1ª Coríntios 11:1

O texto abaixo reproduzido, é de autoria de Ronaldo Cavalcante, em seu livro:  Espiritualidade cristã na história – das origens até santo Agostinho (2007:94-99).

Recente, escrevi o artigo: Há muito tempo deixei de seguir Jesus…, com a intenção de introduzir este conceito que, considero importante para a caminhada cristã.

Agora, a intenção é fundamentar teoricamente o assunto onde nos é apresentado, de forma muito clara estes termos. Vamos ao texto.

O clássico da espiritualidade cristã Imitação de Cristo, de Tomás de Kempis, do século XV (1441), que se inicia com o apelo ao seguimento de Jesus à luz de Jo 8,12 – ‘Quem me segue não andará nas trevas’ – normatiza o seguimento de Cristo como síntese da verdadeira e perfeita vida cristã. Dentro disso, a questão que se impõe, logo de início e como dedução lógica do título latino De imitatione Christi (literalmente ‘sobre a imitação de Cristo’), é: ‘segmento’ e ‘imitação’ de Cristo são a mesma coisa?

Ambos os conceitos pertencem ao conteúdo escriturístico. A partir de Paulo, e através de uma ética do exemplo de Cristo, a ideia de ‘imitação’ (mímesis – cf. 1ªCor 11,1) impôs-se de maneira progressiva. Já a ideia do ‘seguimento’ deve ser buscada dentro de um contexto teológico radical, pois tem raízes na profecia do Antigo Testamento, quando da formação do ‘grupo profético de discípulos’ e do ‘seguimento no ofício de profeta e na mediação do Espírito’.

Nesse sentido, e tendo como pano de fundo a sucessão do múnus profético da antiga aliança, por exemplo em Elias/Elizeu e também Isaías/discípulos (cf. Is 8,16), os evangelhos apresentam Jesus como mestre (cf. Mc 1,21; 2,13; 4,1; 10,17), distinto, porém, dos mestres judeus, convocando a uma justiça maior que a dos escribas e fariseus (cf. Mt 5,20b); de maior radicalidade, de maior sinceridade e pureza de intenção; de maior seriedade no cumprimento da vontade de Deus, e, supérfluo dizê-lo, do amor maior (o mandamento do amor as inimigos).

Ademais, na própria perícope da ‘vocação dos discípulos’ (cf. Mc 1,16-20) evidencia-se que a iniciativa parte inteiramente de Jesus. E na metáfora dos ‘pescadores de homens’ já soa o chamado para o seguimento, que terá a ver com a pregação e a missão. Contudo, de imediato é decisivo que se trata de vinculação ao próprio Jesus e à sua mensagem. A isso se liga imediatamente a constituição do grupo dos doze (cf. Mc 3,13-19 par.).

J.M. Castilho sintetiza o conceito de ‘seguimento’ dizendo que indica proximidade a Jesus e seu movimento acompanhando Jesus itinerante. O esquema do seguimento é este: ‘(a) Jesus passa; (b) vê alguém; (c) indicação de atividade profissional desse homem; (d) o chamado; (e) o deixar tudo; (f) o vocacionado segue a Jesus’. Em comparação avaliativa, Pablo Maroto opta pelo ‘seguimento’ em detrimento da ‘imitação’ e cita novamente Castilho: ‘A tradição apresentou a vida cristã como imitação de Cristo e o termo não é evangélico; e falou pouco de seguir – ‘seguimento’ -, o único que aparece nos evangelhos’.

Essa pista inconclusiva, em favor da categoria seguimento, de fato é constatada a partir da nova aliança, tendo como centro o ministério da encarnação (união entre o divino e o humano da pessoa do Filho de Deus). Instaura-se assim um novíssimo relacionamento de amizade entre Jesus e os vocacionados. Amizade que em João, por exemplo, toma a conotação de conhecimento progressivo que se distancia tanto da ideologia quanto do perfeccionismo moral e legalismo religioso eclesiástico. Seguir é tender a formar uma só realidade com a pessoa de Jesus; é consentir que seu Espírito se situe no mais profundo de nossa intimidade; é sintonizar com o estado pascal de Cristo.

Diferentemente dos sinóticos e do evangelho de João (apesar de João apresentar o modelo de ‘amizade mística’, Paulo considera a relação de amizade com Jesus no contexto de nossa aliança em termos de ‘imitação de Cristo’. Um de seus axiomas básicos é: ‘Sede meus imitadores, como eu mesmo o sou de Cristo’ (1ªCor 11,1; cf. 2ªTs 3,7; 1ªCor 4,16). Tal imitação, no entanto, está vinculada prioritariamente não, como sugere Kant, a uma dimensão moral de bom exemplo e perfeição mas sim a uma imitação essencialmente querigmática: fazer-se apóstolo ao estilo de Paulo (cf. 1ªTs 1,6s), comprometer-se na difusão do Evangelho (cf. 1ªCor 4,6s); fazer prosélitos trazendo novos amigos a Jesus, pôr-se a serviço do Reino de Deus como fez o próprio Jesus. A autêntica imitação paulina de Cristo pode realizar-se, pois, no plano tipicamente espiritual, não moral: ‘Tanto o ‘seguimento’ quanto a ‘imitação’ de Cristo são duas expressões bíblicas para indicar como se pode viver a nova aliança posta no ministério pascal de Cristo’.

A partir da encarnação, abre-se a porta, tanto ao ‘seguimento’ como à ‘imitação’ de Cristo, para o referencial da humanidade de Cristo, como fundamento de toda a experiência mística de Deus; e isso de fato foi assim considerado desde a patrística até Catarina de Sena, Tomás de Kempis e Teresa d’Ávila.

Pablo Maroto, depois de expor o ‘cristocentrismo místico’, emite um juízo de valor sobre o debate entre ‘seguimento’ e ‘imitação de Cristo, que sintetizamos a seguir:

1ª A preferência de alguns pelo seguimento de Jesus, próprio dos primeiros testemunhos, é muito adequada para definir o caminho cristão hoje como em todos os tempos […]. Historicamente está confirmada pela experiência de alguns ‘seguidores’ como forma os apóstolos e discípulos do tempo de Jesus, que viveram com Ele […]. Pode-se dizer que os que assumiram o Evangelho como norma literal de vida para fundar uma vida ‘apostólica’ preferiram a fórmula do ‘seguimento’.

2ª Porém, de nenhuma maneira é uma regra absoluta. Juntamente com ela, cresceu a da ‘imitação’, fixada por Paulo antes que fossem escritos os próprios evangelhos […]. Paulo não se considera ‘seguidor’ de Cristo, porque não andou com Ele em sua vida terrena; porém teve a experiência de ser um ‘vivente’ que havia influído em sua vida obrigando-lhe a ‘imitar’ seu destino […]; o cristão, segundo ele, foi predestinado a ‘reproduzir a imagem de seu filho’ (Rm 8,29-30). Ele quer ‘completar em sua carne o que falta às tribulações de Cristo’ (Cl 1,24), porque o anúncio de boa-nova ainda está por ser concluído. Identificação com Cristo, mais que ‘imitação’, é o que propõe Paulo como caminho cristão.

3ª A tradição mais antiga da Igreja aceitou a pluralidade das fórmulas ‘seguimento’ ou ‘imitação’ como equivalentes. Assim escreve santo Agostinho: Quid est enim sequi nisi imitari? (‘O que, de fato, é seguir se não imitar?) (De Sancta Virginitate 27, PL 40,411,B). Os mártires imitavam a Cristo em sua paixão impulsionados pela fé nele em uma tensão vertical de entregar a vida por Deus, não pelos irmãos […]. Esse é o testemunho de santo Inácio de Antioquia […]. São João Crisóstomo ensina aos cristãos a ‘imitação de Cristo como fórmula integral de perfeição cristã. Seguir ou imitar podem ser fórmulas secundárias. As duas atitudes não podem prescindir da identificação com o destino de Jesus, que é de morte salvadora de seus irmãos, os homens, cumprindo a vontade do Pai. Um dos exemplos mais surpreendentes entre os modelos de identificação com Cristo é o da beata Isabel da Santíssima Trindade (m. 1906); queria ser revestida de Cristo, como experimentou Paulo: ‘Vivo eu, porém não sou eu. É Cristo que vive em mim’. (Gl 2,30).

4ª A tradição medieval, dos escritores de espiritualidade e místicos, tampouco criou problemas com as fórmulas, entendendo que quando falavam de ‘imitação’ de Cristo, ou ‘Cristo modelo de virtudes’, se referiam a moldá-los como caminho, verdade e vida, assimilação de seus sentimentos interiores, de sua vida e destino, de paixão e morte. Na prática era um ‘seguimento’ […]. A dimensão cristocêntrica era clara […]. O importante para eles era colocar Cristo no centro da piedade e da vida […]. Cristo era para eles o modelo de virtudes, causa da santidade, meta e ideal de vida.

5ª Foi Lutero quem impugnou a prática de ‘imitação de Cristo […]; segundo ele o ‘seguimento’ seria uma resposta da fé, obediência e amor ao chamado […]; porém nem todos os autores espirituais e místicos entenderam como Lutero interpretou a tradição medieval.

6ª As reflexões precedentes nos levam à conclusão de como entender hoje a ‘imitação’ ou o ‘seguimento’. Se não reduzimos o termo ‘imitação’ a uma categoria novamente moral, como se Cristo fosse um grande herói e quem temor de copiar, e a considerarmos como adesão à pessoa de Jesus, à sua vida e ao seu destino, Jesus que é caminho, verdade e vida etc., pode ser utilizada, todavia, essa fórmula. É necessário evitar fazer de Jesus uma coleção de testemunhos de bondade do ‘passado’, e muito menos sentimentalizar a devoção a Cristo, como as vezes foi feito. Isso vai contra a maturidade humana e cristã da pessoa.

Dessa maneira, mesmo em Paulo, em que exteriormente temo a fórmula da ‘imitação de Cristo’, subjaz a ideia de seguimento corretamente entendida, ou sejam distanciamentos de normas e receitas exteriormente preestabelecidas, e tentativa de assumir na realidade da própria vida a orientação e a figura básica de Jesus; fazer valer para si a exigência de Jesus. Visto assim, o ‘seguimento’ constitui parte essencial da história suscitada por Jesus e pelo Espírito Santo.

_____________________________________

Baixar em PDF :  

BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos de Genebra – São Paulo: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

CAVALCANTE, Ronaldo. Espiritualidade cristã na história – das origens até santo Agostinho. São Paulo: Paulinas, 2007.

Post relacionado