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Faltava suficiente conhecimento próprio para reconhecer-se morta

Isto é o que significa dizer que a Democracia já morreu

Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Outubro/2018

Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha,
pois o remendo forçará a roupa, tornando pior o rasgo.
E ninguém põe vinho novo em vasilha de couro velha;
se o fizer, o vinho rebentará a vasilha,
e tanto o vinho quanto a vasilha se estragarão.
Ao contrário, põe-se vinho novo em vasilha de couro nova.

Palavras de Jesus, descritas por Marcos, capítulo 2, versículos 21 e 22 – NVI-P 1

 

O que escrever num momento político como este que estamos vivendo, em outubro de 2018, no Brasil?

No momento que temos dificuldades para pensar no presente, devido às incertezas que o cenário político / social nos apresenta, a dificuldade para pensarmos no futuro da nação, é uma tarefa muito arriscada que poucos se aventuram fazer.

Pesquisas duvidosas, notícias falsas, candidatos despreparados, nação dividida. A maioria, me parece, escolher um, não por seu plano de governo, mas por não querer o outro. Ainda assim, incorre no mesmo erro do passado escolhendo um dos mesmos, quando a pouco havia dito que não reelegeria mais ninguém.

Não vejo que um seja melhor preparado entre os ‘candidatos’, mas vejo problemas graves no processo. Precisamos repensar o processo político no Brasil. Num país que tem pressa em conhecer quem será seu próximo governante, cria a urna eletrônica para agilizar o processo caótico, mas esquece do principal que é conhecer o plano de governo deste ou do outro candidato.

Enquanto não repensarmos o processo, não importa quem seja eleito, haverá sempre o dominante, exercendo seu papel, supostamente democrático, oprimindo o outro sem a práxis democrática.

A lava jato, deu outro ritmo para a nação brasileira. Deu nome aos ladrões, mostrou os esquemas corruptos e apresentou para todos os brasileiros, e para o mundo, como agem aqueles que querem o poder a qualquer custo.

Entenda, não é porque um determinado candidato não foi citado na lava jato, que ele é um ‘santo’ ou a melhor pessoa deste mundo, digna de total e irrestrita confiança. Evitemos os extremos, isso nunca deu certo, a história comprova isso!

Muitos ainda não perceberam as diferenças nas campanhas dos partidos políticos nesta eleição. Outros, de fato, não estão preocupados com o processo, querem somente que ‘alguém’ assuma o comando da nação a partir de janeiro de 2019. Não se importam se #elesim ou #elenão, for eleito, quer apenas a normalidade, para voltar à sua vida de mediocridade.

Não estamos apenas sem opção de bons candidatos, na verdade, nunca tivemos e, arrisco-me a dizer que nunca teremos ‘bons’ candidatos para governar no brasil.

Nós estamos sem saber o que é SER um país, de fato, democrático. Claro, tudo é relativamente novo e vai requerer de nós mais empenho em estudar e conhecer o processo democrático.

Mas aqui segue uma reflexão do texto de Jonh Stuart Mill – do seu livro Considerações sobre o governo representativo2, que já citei em meu outro artigo A Democracia está morta’.

Me sinto provocado por este texto por parecer tão atual como o jornal desta manhã.

Faça uma leitura reflexiva e observe a percepção do autor ao discorrer sobre o processo democrático no seu tempo.

Observou-se que os perigos inerentes a uma democracia representativa eram de dois tipos:

(1) o perigo de um grau inferior de inteligência no corpo representativo e na opinião pública que o controla; e

(2) o perigo da legislação de classe por parte da maioria numérica, sendo estes todos compostos da mesma classe.

Temos em seguida que considerar até que ponto é possível organizar a democracia, sem interferir consideravelmente com os benefícios característicos do governo democrático, a fim de remover esses dois grandes malefícios, ou, pelo menos reduzi-los ao grau último que o expediente humano possa alcançar.

O modo comum para tal tentativa é limitar o aspecto democrático da representação através de sufrágio mais ou menos restrito. Mas há uma prévia consideração que, devidamente considerada modifica consideravelmente as circunstâncias que se supõem se necessárias a tal restrição.

Uma democracia completamente igualitária em uma nação na qual uma única classe compõe a maioria numérica, não pode ser destituída de certos malefícios; mas esses são grandemente agravados pelo fato de que as democracias existentes no momento não são igualitárias, mas sistematicamente desiguais em favor das classes predominantes.

Duas ideias muito diferentes são usualmente confundidas sob o termo democracia.

A pura ideia de democracia, de acordo com sua definição, é o governo de todo o povo pelo povo todo, igualmente representado.

Democracia como comumente concebida e até aqui praticada é o governo de todo o povo por uma simples maioria do povo, exclusivamente representada.

A primeira é sinônima de igualdade entre todos os cidadãos; a última, estranhamente confundida com a primeira, é um governo de privilégios em favor da maioria numérica, a qual sozinha possui voz no Estado.

Essa é a consequência inevitável da maneira pela qual ora se coletam os votos, privando-se completamente o direito das minorias.

A confusão de ideias é grande neste ponto, mas é tão facilmente esclarecida que se poderia imaginar que a mais leve indicação seria suficiente para que uma mente de média inteligência pudesse obter a verdadeira compreensão da questão.

Seria assim se não fosse o poder do hábito devido ao qual a mais simples ideia, não sendo familiar, encontra tão grande dificuldade em penetrar na mente quanto uma bem mais complexa.

Trata-se de uma ideia comum que a minoria deva render-se à maioria, o menor número ao maior; e consequentemente os homens acham que não há mais necessidade de utilizarem suas mentes e não lhes ocorre que haja qualquer meio intermediário que permita que o número menor seja igualmente poderoso como o maior, apagando inteiramente o número menor.

Em um corpo representativo que realmente delibere, fatalmente a minoria deve ser dominada; e em uma democracia igualitária (uma vez que as opiniões dos constituintes, quando nelas insistem, determinam as do corpo representativo) a maioria do povo, através de seus representantes, exercerá em votos e prevalecerá sobre a minoria e seus representantes.

Mas disso se concluiria que a minoria não devesse ter mais representantes?

Pelo fato da maioria dever prevalecer sobre a minoria, deve a maioria ter todos os votos e a minoria nenhum?

Será necessário que a minoria não deva nem mesmo ser ouvida?

Nada, exceto o hábito e antigas associações pode reconciliar um indivíduo razoável com a injustiça desnecessária. Em uma democracia realmente igualitária, todo e qualquer departamento seria representado, não de forma desproporcional, mas sim proporcional.

Uma maioria de eleitores sempre teria uma maioria dos representantes, ao passo que a minoria de eleitores sempre teria uma minoria dos representantes. Homem por homem, a maioria estaria tão plenamente representada quanto a maioria.

De outra forma, não há governo igualitário, mas um governo de desigualdades e privilégios: uma parte do povo governa sobre o resto. Há uma parte cuja parcela justa e igualitária de influência na representação é retirada da sociedade; contrário a todo governo justo, mas acima de tudo, contrário ao princípio da democracia, a qual professa a igualdade como sua verdadeira raiz e fundamento.

A injustiça e a violação de princípios não são menos evidentes só porque aqueles que sofrem com isso sejam a minoria; pois não haverá sufrágio igualitário onde um único indivíduo não for considerado tanto quanto qualquer outro indivíduo na comunidade. Mas não é apenas uma minoria que sofre.

A democracia, dessa forma constituída, nem mesmo atinge seu objetivo ostensivo que é conceder os poderes de governar em todos os casos à maioria numérica. Ela age de forma muito diferente: concede tais poderes a uma maioria da maioria que pode ser, e em muitas ocasiões é, uma minoria do todo.

Todos os princípios provam-se mais efetivamente através de casos extremos. Suponhamos então que, em um país governado por um sufrágio igualitário e universal, ocorra uma eleição contestada por todo o eleitorado e que todas as eleições sejam realizadas por uma pequena maioria.

O Parlamento dessa forma reunido representa um pouco mais do que uma simples maioria do povo. Tal Parlamento continua a legislar e adota importantes medidas por simples maioria em si mesmo.

O que garante que tais medidas estejam de acordo com os anseios de uma maioria do povo?

Quase metade dos eleitores, tendo sido derrotados nas eleições, não teve nenhuma influência absolutamente nas decisões, e o total destes, ou a maioria deles provavelmente, pode ser contrária às medidas, votando contra aqueles que as tomaram. Quase a metade dos eleitores restantes escolheu representantes que supostamente votaram contra tais medidas.

Portanto, é possível, e não de todo improvável, que a opinião de tenha prevalecido fosse do agrado apenas de uma minoria da nação, embora sendo a maioria da parte que as instituições do país elevaram à classe governante.

Se democracia significa a ascendência certa da maioria, não há nenhuma maneira de assegurá-la a não ser permitindo que cada indivíduo seja igualmente levado em consideração no total.

Qualquer minoria deixada de lado quer propositadamente ou pelo funcionamento da máquina, estará concedendo o poder não à maioria, mas a uma minoria em alguma parte da balança. (Mill, 2006, p. 112)

Como nação, vamos escolher um, para tirar o outro do poder. Como nação, mais uma vez, estamos projetando, neste que deverá ser eleito, as características do ‘salvador da pátria’.

Novamente, citando o texto:

Duas ideias muito diferentes são usualmente confundidas sob o termo democracia.

A pura ideia de democracia, de acordo com sua definição, é o governo de todo o povo pelo povo todo, igualmente representado.

Democracia como comumente concebida e até aqui praticada é o governo de todo o povo por uma simples maioria do povo, exclusivamente representada.

A primeira é sinônima de igualdade entre todos os cidadãos; a última, estranhamente confundida com a primeira, é um governo de privilégios em favor da maioria numérica, a qual sozinha possui voz no Estado.

Mais uma vez, a democracia está sendo posta de lado, dando lugar a escolhas partidárias ou representativas, não pela política, mas pelo medo de não querer mais ser governado por ladrões e corruptos, esperando que o (novo) eleito, não o seja. No entanto, também considero este, um evento válido!

Não se iluda,

tornando o termo no rigor de sua acepção, nunca existiu verdadeira democracia e jamais existirá – Rousseau3

Meu receio é que estejamos repetindo (mais uma vez) um erro, pois aquilo que se apresenta diante de nós está desfigurado democraticamente, está semelhante à uma colcha de retalhos, como remendo de pano novo em tecido velho, pois não vejo esta ascensão pessoal/partidária, como processo regular democrático, se não, oportunistas que, como seus antecessores, estão à espreita, esperando a hora de saquear o processo democrático brasileiro, assumindo o poder.

Quero estar errado! Quero que o país cresça e se desenvolva como nação próspera e rica! Mas também quero uma nação em que sua população tenha mais ‘memória’ política e cobre dos eleitos um processo democrático mais justo e transparente.

Quero uma nação que aprenda com seus erros e aprenda a escolher melhor seus governantes pois houve tempo de analisar suas propostas de governo.

Quero uma nação livre e democrática de fato e de direito!

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1BÍBLIA SAGRADA. Português – Nova Versão Internacional – NVI-P – Versão On Line – You Version

2 – MILL, Jonh Stuart. Considerações sobre o governo representativo. Editora Escala. São Paulo/SP. 2006.

3 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato Social. Escala Educacional. São Paulo/SP. 2006. – Cap. IV, p.78

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