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O mundo evangélico e sua tentativa em administrar Deus

Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Março/2019


Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas liras. Amós 5.23

[…] O mundo evangélico, em seu longo processo ou reorganização, voltou-se da dependência de Deus para a administração de Deus – o que, neste mundo introspectivo e presunçoso, significa ter o domínio de Deus. (p. 337)

[…] O programa da igreja, sem a teologia, recua para os limites de seus próprios interesses. Sem essa teologia, o critério para o sucesso é apenas seu próprio sucesso. E no ponto em que isso acontece, as mesmas forças de alienação que separam os indivíduos autocentrados uns dos outros na cultura começam a separar as igrejas autocentradas umas das outras no mundo cristão. Mais que isso, essa auto absorção também as separa dos propósitos mais abrangentes de Deus no mundo. (p. 335)

[…] Por que será que a teologia está agora alienada da vida da igreja? De um ângulo, a resposta é que essa é a consequência da fragmentação moderna em que os elementos constituintes da teologia – confissão, reflexão e sabedoria – foram separados e agora estão desligados uns dos outros. De outro ângulo, é possível argumentar que o deslocamento da teologia tem de ser explicado pelo modo como o caráter norte-americano age nela, produzindo, de um lado, a atual absorção em si mesmo do mundo evangélico e, de outro lado, uma necessidade igualmente poderosa de se conformar, necessidade essa que às vezes é realizada por meio de adaptações à modernidade. (p.338)

[…] Os evangélicos deixaram de focar a transcendência de Deus para focar sua imanência – e, então, eles deram o passo adicional de interpretar sua imanência como amizade com a modernidade.

Assim, a perda da visão tradicional de Deus como santo agora é manifestada em todo o mundo evangélico. O pecado, divorciado da santidade de Deus, é apenas um comportamento autodestrutivo ou quebra de etiqueta. A graça, divorciada da santidade de Deus, é meramente retórica vazia, uma janela piedosa preparada para a técnica moderna por meio da qual os pecadores executam a própria salvação. Nosso evangelho, divorciado da santidade de Deus, passa a ser indistinguível de qualquer uma das milhares de doutrinas alternativas de autoajuda. Nossa moralidade pública, divorciada da santidade de Deus, fica reduzida a pouco mais que um acúmulo de trocas entre interesses privados conflitantes. Nossa adoração, divorciada da santidade de Deus, passa a ser mero entretenimento. A santidade de Deus é a própria pedra angular da fé cristã, pois ela é a fundação da realidade. O pecado desafia a santidade de Deus, a cruz é o resultado externo e a vitória da santidade de Deus, e a fé o reconhecimento da santidade de Deus. Portanto, saber que Deus é santo é a chave para conhecer a vida como ela verdadeiramente é, conhecendo Cristo como ele verdadeiramente é, sabendo por que ele veio e como a vida terminará.

É esse Deus, majestoso e santo em seu ser, esse Deus cujo amor não conhece limites porque sua santidade não conhece limites, que desapareceu no mundo evangélico moderno. Ele foi substituído em muitos lugares por um Deus que é astuto e negligente, cujos propósitos morais mostram ser conselhos afáveis que podemos desconsiderar ou negociar conforme achamos adequados, cuja Palavra é um brinquedo para aqueles que querem apenas ouvir a si mesmos, cuja igreja é um mercado em que os religiosos, com os bolsos cheios de moedas de necessidades, fazem seus negócios. Buscamos a felicidade, não a justiça. Queremos ser realizados, não enchidos com o Espírito. Estamos interessados em satisfação, não em insatisfação santa com tudo que é errado.

É por isso que precisamos de reforma, e não de reavivamentos. Os hábitos do mundo moderno, agora tão ubíquos no mundo evangélico, precisam ser eliminados, e não receber nova vida. Eles precisam ser desarraigados, não apenas ocultados com novo entusiasmo religioso. E esses hábitos a essa altura estão tão invencíveis que nada menos que a intrusão de Deus em sua graça, nada menos que uma plena recuperação da verdade dele, será suficiente.

Nesse aspecto, a morte da teologia tem ramificações profundas. A teologia não está morrendo porque o meio acadêmico falhou em desenvolver procedimentos adequados para reconstruí-la, mas porque a igreja perdeu sua capacidade para isso. E enquanto alguns abençoam essa perda como um passo à frente em direção à esperança de nova vitalidade evangélica, ela é de fato um sinal da aproximação da morte. O vazio da fé evangélica sem a teologia ecoa o vazio da vida moderna. As duas escolheram atravessar um mundo em que Deus não tem lugar, em que a realidade é reescrita, em que Cristo passou a ser redundante; e sua Palavra, irrelevante; assim, a igreja agora tem de encontrar novos motivos para sua existência.

A menos que a igreja evangélica recupere o conhecimento do que significa viver diante de um Deus santo, a menos que a igreja evangélica em sua adoração reaprenda a humildade, o maravilhamento, o amor e o louvor, a menos que consiga encontrar mais uma vez um propósito moral no mundo que repercuta a santidade de Deus e seja, portanto, profundo e inflexível – a menos que a igreja evangélica faça todas essas coisas, a teologia não terá lugar em sua vida. Mas o reverso também é verdade. Se a igreja conseguir encontrar um lugar para a teologia ao voltar seu foco para a centralidade de Deus, se ela repousar na suficiência dele, se recuperar sua fibra moral, então ela terá algo a dizer para um mundo afogado agora na modernidade. E há uma grande ironia aí. Os que são mais relevantes para o mundo moderno são os mais irrelevantes para o propósito moral de Deus, mas os que são irrelevantes no mundo em virtude de sua relevância para Deus têm de fato mais a dizer para o mundo. Foi isso que Jesus declarou, o que a igreja em seus melhores momentos sabe, e o que podemos, pela graça de Deus, ainda descobrir mais uma vez. (p. 343)

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Encerro essa série de artigos, com as descrições literais de porções do texto do livro Sem lugar para a verdade de David Wells, por entender a seriedade do tema relacionado ao que a igreja está vivendo nos dias de hoje. Minha intenção for mostrar a realidade traçada pelo autor sobre como a fé evangélica, a teologia e a Igreja foram afetadas pela modernidade e suas sutilezas contemporâneas, através dos últimos acontecimentos na América do norte, mas, que, em minha opinião, está em conformidade com a realidade na maioria das igrejas no Brasil.

Recomendo a leitura completa do livro e seu estudo, considerando ainda mais importante, seu conteúdo para cristãos estudiosos e zelosos para com as verdades do evangelho que se recusam a viver num mundo de barganhas da fé, que ousam viver de acordo com a Palavra de Deus e sua justiça.

Este estudo é tão necessário, pois a cada momento podemos identificar, que os sermões, na maioria das igrejas, estão repletos de psicologismos e achismos pessoais, fracos em exegeses e hermenêuticas teológicas centradas na Palavra de Deus, e isso, é um dos resultados decorrentes de ações pós-modernas inseridas nas igrejas. A profissionalização dos pastores e a necessidade de massagear o ego dos consumidores pagantes, culmina com mensagens rasas, sem profundidade bíblica, mas eficaz, para a carreira e o crescimento numérico, perpetuando um ciclo vicioso, moderno e pós-cristão. Esses foram alguns dos pontos destacados pelo autor ao longo de suas argumentações que, como disse acima, estão alinhados com a realidade, de muitas, igrejas no Brasil.

E, como o próprio autor afirma: A igreja evangélica não precisa de reavivamentos, mas de reformas profundas e sérias.

Aos poucos, e em constantes argumentos, a comunidade evangélica passa a assimilar conceitos humanistas, não bíblicos, que vão desde a criação de ‘cultos atrativos’ a ações sociais para promoção da ‘placa denominacional’ através do marketing religioso, à relativização do pecado.

Sim, a igreja evangélica precisa, urgentemente, de profundas reformas, de modo que esta geração ainda consiga desenvolver subsídios teológicos verdadeiros para levar a mensagem bíblica e concreta da Palavra de Deus para a próxima geração.

Mas também precisamos de homens e mulheres que se dediquem ao estudo teológico constante e independente, sem o propósito exclusivo de ascender aos cargos eclesiásticos. Como Cristãos, deveríamos ter a prática do estudo aprofundado de temas que consolidam e fundamentam nossa fé, para minimizar, quiçá, eliminar problemas tão danosos para a igreja. Sei que há confusões generalizadas dentro das igrejas. Argumentos filosóficos, humanistas e psicológicos que permeiam as reflexões teológicas criando híbridos, alterados pela sociedade pós-moderna que tentam ‘administrar Deus’ criando subsídios antibíblicos.

Sim, a igreja evangélica precisa, urgentemente, de profundas reformas, e que você e eu possamos ser os promotores desta reforma a começar por nossas vidas e por nossas ações.

Que Deus nos ajude!

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BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos de Genebra – São Paulo: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

WELLS, David F. Sem lugar para a verdade – O que aconteceu com a teologia evangélica? São Paulo, SP: Shedd Publicações, 2017.

 

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