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A privacidade está morta

Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Março/2019


Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas. 1ª Carta de Paulo aos Coríntios 6:12

A privacidade está morta! No entanto, ela não morreu naturalmente, não foi assassinada. Ela não foi retirada de nós, através de um sequestro e, depois, executada friamente. Ela está morta, por cada um ter consentido sua morte, dando permissão ao evento de entrada que, por sua vez, fez a ‘coitada’ que já vinha sendo fortemente atingida por outros segmentos, perder sua ‘vida’. O mais interessante neste fato é que, para tentar trazê-la à vida, será preciso sacrificar outra coisa. Sim, para que você possa ter a privacidade de volta (principalmente na esfera digital) você deverá autorizar a eutanásia digital, ou seja, solicitar, através de um site/programa que irá ‘apagar’ sua ‘vida’ digital. Interessante esta escolha, você não acha?

Vamos ver como a privacidade morreu.

Segundo o próprio fundador da World Wide Web, Tim Berners-Lee, afirmou, em recente entrevista [1] que ‘perdemos o controle sobre nossos dados pessoais’. Uma das causas é que as empresas criaram termos de uso confusos e linguagem que não são amigáveis ao entendimento dos usuários e, ainda, com uma combinação de termos jurídicos e letras de tamanho 9. Vejam só, para conseguir o Wi-Fi gratuito em um restaurante, o usuário deve fornecer seu CPF. Quando você publica uma foto no Instagram, inclui sua geolocalização. Ao sair do UBER, deixa mais cinco minutos do trajeto no aplicativo. Ao fazer qualquer teste bobinho sobre ‘quem vai a seu velório’ ou ‘quem é sua alma gêmea’, está permitindo a sincronização automática de dados pessoais com o Facebook. Ao adicionar um novo contato no WhatsApp, recebe uma sugestão imediata para adicioná-lo em outra rede. Ao entrar em um site de passagens aéreas, visualiza anúncios de trechos promocionais em qualquer janela aberta do computador ou do smartphone nos dias seguintes. Parte dessa entrega de informação ajuda as empresas a aperfeiçoar os serviços, mas implica na total perda de privacidade.

Quem tratou deste assunto, em linha semelhante, foi Amy Webb [1], futurista e fundadora do Future Today Institute, em sua palestra no SXSW 2019 (South by Southwest, mais conhecida pela sigla SXSW começou oficialmente na sexta-feira – 08/03, este é um festival que é considerado um dos maiores eventos de inovação do mundo). Segundo Amy, não se trata apenas da exposição de informações triviais como endereço de e-mail, mas, até mesmo dados tão íntimos como seu DNA podem estar sendo explorados por aí. Ela ainda afirma que ‘Ninguém deve ter a ilusão de que tem hoje privacidade e que isso não seria necessariamente algo ruim’. Se já estamos acostumados a abrir mão de nossos dados de localização e navegação, os próximos capítulos dessa história irão incluir nossas informações biométricas. Com elas, sistemas de inteligência artificial (IA) serão capazes de aprender sobre nós e reportar esses dados, sejam para o bem e para o mal.

Quero destacar pontos, que considero que, como usuários, podemos ter mais atenção para minimizar os efeitos negativos da tecnologia em nossa vida, pois não há volta. Podemos desenvolver uma inteligência em como utilizar a própria IA e assim, aproveitar os bons resultados deste uso.

A considerar que utilização das redes sociais, a princípio parecia algo inofensivo e apenas de distração, se tornou uma vilã, pois justamente nos faltou a capacidade de administrá-lo adequadamente no nosso dia a dia. Outra reportagem que destaco é do site Olhar Digital [1]. A recente reportagem fala sobre a Nomofobia, que é o desconforto, a angústia, irritabilidade e tudo de ruim que se pode sentir ao ter que ficar longe do celular ou computador. Em casos piores, pode levar à depressão. Se para alguns pode parecer exagero, para outros o assunto é bem sério. Segundo esta matéria, as pessoas com nomofobia podem apresentar sintomas emocionais, físicos, além da angústia, ansiedade e tristeza, alguns podem chegar a sentir falta de ar, náuseas, aceleração da frequência cardíaca e até dor de cabeça. Nos casos mais graves, essas pessoas passam a negligenciar a vida real para viver o mundo do smartphone. Aí os efeitos são ainda piores; principalmente do ponto de vista psicológico e social.

Segundo um estudo publicado pela Royal Society for Public Health [1] e pelo movimento Young Health, afirma que o Focebook, Snapchat, Instagram e Twitter podem causar sério danos à saúde mental entre jovens de 14 a 24 anos, sendo o Instagram a rede social mais prejudicial. Neste estudo, em torno de 1500 jovens, da referida idade, foram convidados a compartilhar o impacto destas redes social em suas vidas de acordo com 14 critérios diferentes: solidão, autopercepção, ansiedade, estresse, ou intimidação, entre outros. O estudo revelou que as redes sociais são essencialmente negativas para o bem estar e que, conforme afirma Shirley Cramer, diretor executivo da Sociedade Real de Saúde Pública: ‘É interessante notar que o Instagram e o Snapchat são classificados como as piores redes sociais devido ao seu impacto na saúde mental por estarem muito focadas na imagem e que podem causar sentimentos de inferioridade e ansiedade nos jovens’.

Outra fonte de preocupação são os efeitos negativos causados pelas Fake News nas redes sociais, provocando transtornos e até mesmo mortes. Em casos mais extremos, pessoas desequilibradas a utilizam para transmitir suas atrocidades e barbáries. Não acredito que as redes sociais deram início a esta última ação, mas que tem corroborado com ela. A necessidade de mostrar, a angústia, a frustração para a sociedade passou a caracterizar pessoas com sérias doenças mentais. Ver o perfil de uma pessoa vazia e superficial, sem uma profissão conhecida, tendo milhares de seguidores, pode leva-los a pensar que é suficiente na vida. Que podem fazer o mesmo para ter este ‘sucesso’. Dessa forma, se a pessoa tem alguma dificuldade psicológica ou social, pode se sentir ainda mais afetado, sem entender exatamente o que se passa. Muitas fotos, roupas de marca, casas perfeitas, viagens, amigos e, sentimentos de euforia e relacionamentos aparentemente bons e saudáveis, funcionam como imã, provocando uma sensação de querer ver mais ou, até mesmo, replicar o que se vê, para depois mostrar para seus amigos que faz o mesmo. Não há dúvidas, que estamos corroborando com este cenário, dando permissão de acesso à nossas informações, mas também é correto afirmar que, como sociedade, estamos vivenciando grandes mudanças para as quais não há escola ou preparo acadêmico, apenas intuição para alguns. Sabemos que muitos dos conteúdos são prejudiciais e que em sua maioria há manipulações, sejam de imagens ou texto, mesmo assim, semelhante às necessidades alucinógenas, permite-se, cada vez mais.

Quem analisou este cenário das redes sociais foi o Sociólogo Polonês, Zygmunt Bauman [2] e afirmou que não há grandes virtudes nelas. Segundo o sociólogo, elas são armadilhas contemporâneas nas quais as pessoas pensam que estão felizes por pertencer. Ele complementa dizendo que o maior ganho do Facebook e de seu fundador, foi ter focado no medo da sociedade da solidão, agora, com todos conectados o companheiro tornou-se o computador ou o smartphone.

No entanto, estas redes, tem um impressionante poder congregacional, nunca antes visto na sociedade e, talvez, seja o tempo que cada um se submete a elas. Talvez, pela maioria das pessoas não apresentarem uma capacidade intrínseca de controle do seu tempo com produtividade, este medo da solidão, tenha provocado tamanha complexidade em administrá-las nos dias de hoje.

Encerro esta argumentação, me reportando a um momento triste da história da humanidade que estava no auge do comércio escravagista de africanos. Em um período de mudanças e grandes dificuldades, surge na Inglaterra um avivamento religioso, iniciado por John Wesley, que contesta a opressão sofrida por pessoas criadas à imagem de Deus. O Parlamento britânico, na época, o lugar mais poderoso do planeta, cheio de ‘donos’ de escravos surge a voz de William Wilberforce ao afirmar:

‘Você pode até escolher desviar o olhar, mas você nunca mais vai poder dizer que não sabia’

Creio que estamos no limiar de um novo tempo. Um tempo que vencemos, como humanidade, o comércio escravagista, mas estamos como sociedade, vivendo uma servidão voluntária ao permitir e ao expor diariamente nossa privacidade.

Podemos reagir a isso, de forma contínua e com a devida inteligência e capacidade que Deus nos deu.

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BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos de Genebra – São Paulo: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

[1] Artigos consultados: Épocas Negócios / Olhar Digital / A mente maravilhosa

[2] Bauman, Zygmunt – O livro da Sociologia – 2ª Ed. São Paulo : Globo Livros, 2016.

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