Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Janeiro/2020
Se vós estiverdes em mim, e as minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito. João 15:7
No final de outubro de 2019, participei da conferência do CONPLEI Jovem[1] em Porto Velho/RO. Estavam presentes as etnias Kaxinawa, Suruí, Xavante, Gavião, Jarawara, entre outras. Todas elas já alcançadas com o Evangelho do Senhor Jesus Cristo. Foram dias de muita alegria e confraternização entre estes irmãos, ‘curados’ por Deus, de suas feridas e pecados. Esta situação seria totalmente improvável no passado onde havia muita rivalidade entre eles. Neste mesmo evento, tive a oportunidade de conhecer o Pr. Joshua Chang[2] que me presenteou com o livro de Steve Saint, ‘A grande omissão’, que apresenta um erro estratégico no movimento missionário que ‘apenas’ envia missionários para os campos, abandonando-os em seguida e enfatiza que missões não se faz somente ‘indo a campo’, mas se faz nas ações intencionais da Igreja aonde quer que ela esteja.
Nas próximas linhas, tragos alguns destaques do livro de forma resumidas, com o intuito de despertar, em você, a leitura do livro. Em mim, causou um profundo impacto por tanta dedicação, entrega e amor incondicional ao próximo, por parte de Steve Saint, que logo em seguida você compreenderá. Através desta leitura, fui inspirado para a reflexão e escrita deste artigo e seu tema, nas palavras de Jesus: ‘Sem mim nada podeis fazer’.
Recomendo a leitura, pois retrata com brilhantismo a ação de Deus na vida daquelas pessoas dispostas a imitar as ações de Cristo em amor e comprometimento, esquecendo o passado e seguindo em frente, alinhadas com as direções que o próprio Espírito os conduz.
O FILME TERRA SELVAGEM
Para conhecer a história por trás do livro, é importante assistir ao filme[3] ‘End of the Spear’[4], que foi traduzido para o português como ‘Terra Selvagem’ (2005). Este filme conta a história de Nate Saint, um missionário americano que perdeu a vida na selva do Equador enquanto tentava alcançar um grupo de indígenas, não alcançados pelo Evangelho, que viviam totalmente isolados, juntamente com outros quatro missionários.
Resumidamente, o filme conta a história da operação ‘Auca’ (selvagens nus), em que cinco americanos cristãos missionários tentaram contato[5] com os indígenas da etnia dos Waodani da floresta tropical ao Leste do Equador. O ano era 1956, onde os cinco missionários foram mortos com lanças, por um grupo da tribo. O filme conta a história da perspectiva de Steve Saint (filho de Nate Saint, um dos missionários mortos no encontro), e Mincaye, um dos homens da tribo que participou do ataque. Steve mantém a amizade com este povo até os dias de hoje. No livro: ‘A grande omissão’, Steve Saint, traz relatos surpreendentes que aconteceram anos mais tarde com as mesmas pessoas que tiraram as vidas dos missionários.
CONVIVENDO COM OS ASSASSINOS
Nas próprias palavras de Steve:
Milhões de cristãos ao redor do mundo sabem que Jim Elliot, Roger Youderian, Ed McCully, Pete Fleming e meu pai, Nate Saint, foram mortos pelas lanças do Waodani em 1956. Muitos cristãos também conhecem um pouco da continuação dessa história: após os cinco missionários serem mortos, Deus abriu uma porta para Elizabeth Elliot e a minha tia, Rachel Saint, viverem com os Waodani e muitos deles ouviram o Evangelho de Jesus e passaram a caminhar a trilha de Deus. A Igreja foi inspirada pelo poder transformador e reconciliador do Evangelho demonstrado quando a minha irmã e eu fomos batizados por dois dos homens que haviam matado meu pai. Apesar de toda a influência que a história dos Waodani teve e de todo o esforço missionário que ela gerou, a igreja perdeu uma importante lição da Grande Comissão que os próprios Waodani aprenderam a duras penas. Numa trágica ironia, os esforços sacrificiais que muitos crentes fizeram, em nome dos Waodani, quase destruíram a própria igreja que trabalharam para plantar.
Quando os Waodani pediram a minha família e a mim para morar com eles após a morte da minha tia Rachel em 1994, eu fiquei abismado de ver que a igreja Waodani era menos funcional do que na época em que eu passava minhas férias escolares com eles. Quando era adolescente, os Waodani tinham construído suas próprias igrejas. Agora eles deixaram uma igreja construída pelos estrangeiros para eles cair aos pedaços, dizendo que eles não sabiam a quem ela pertencia, então não tinham ‘permissão’ para consertá-la. Quando eu era adolescente, os líderes da igreja me batizaram; agora a igreja não tinha líderes reconhecidos e eles esperavam outros de fora para batizar seu próprio povo. Comecei a ver as consequências para aquele orgulhoso povo que uma vez eu conheci como ‘doadores de recursos’ e agora havia se tornado ‘recebedores de recurso’[6].
SIM, ELES SÃO CAPAZES
Nunca subestime a capacidade de uma pessoa. É fácil, porém totalmente equivocado, pensar que uma pessoa que não teve a oportunidade de estudar formalmente, ser menos capaz do que aquela que estudou. Este equívoco não é novo, e foi assim também no tempo de Jesus[7].
O mesmo se passou com Steve quando foi surpreendido com o pedido dos Waodani em aprender a tratar os dentes dos demais membros da tribo. Como assim? Eles mesmos querem fazer um serviço que somente é realizado por um profissional após 4, 5 anos de estudos teórico e práticos? Sim, eles queriam ser capazes de fazer por eles mesmos. Eles estavam atentos e sabiam que no passado, nenhum deles dependia das pessoas de fora, eles eram totalmente independentes. Com o passar dos anos, se tornaram dependentes, não só das pessoas como dos recursos vindos de fora. Agora querem fazer diferente, querem aprender com os de fora para fazer eles mesmos, tornando-se interdependentes.
Precisamos ter em mente que a ajuda contínua, seja de recursos ou de ações de terceiros, com o tempo causa somente prejuízo é está despida de qualquer tipo de transformação. No processo de ensino constante, ‘libertamos’ o que aprende e aquele que ensina, proporcionando o crescimento e o desenvolvimento de ambos.
Claro que, sobre questões dentárias, podemos entender que são ‘tratamentos’ superficiais, mas que sem qualquer intervenção inicial pode levar a uma situação mais séria e que vai depender de um procedimento mais específico, inclusive com a remoção da pessoa para um local apropriado para ser atendida por um profissional.
Eles não só aprenderam a fazer tais procedimentos como montaram um local com para colocar o consultório portátil, que também funciona como uma maca para exames médicos e para partos complicados.
Steve, relata que após esta etapa, os Waodanis decidiram que queriam aprender a pilotar avião, para ajudar nos deslocamentos. No entanto, este relato, deixo no ‘ar’ para aguçar sua curiosidade, pois a cada página, você irá descobrir como Deus operou na vida de Steve e desse povo, transformado pela maravilhosa Graça, provando o poder transformador das culturas que se entregam ao Senhor Jesus.
AS ONDAS MISSIONÁRIAS
A PRIMEIRA ONDA foi a dos missionários estrangeiros vindos de fora para evangelizar os locais, seja nas cidades, comunidades e aldeias. (1557)
A SEGUNDA ONDA foi a Igreja local, assumindo seu papel e procurando desenvolver ações voltadas para evangelização, indo para outras regiões e aldeias. (1925)
A TERCEIRA ONDA são os próprios indígenas evangelizando seus parentes. (1980)
A QUARTA ONDA é o comprometimento (sério e responsável) da Igreja apoiando os indígenas para irem às tribos e regiões menos evangelizadas, a chamada JANELA VERDE, proposta por Steve e Joshua Chang. (2017)
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SEM MIM NADA PODEIS FAZER
Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor[8]. Assim, Jesus declara aos seus discípulos, logo depois de ter falado sobre a vinda do Consolador[9] para que estivesse sempre com aqueles que o queriam segui-lo, fazendo a Sua vontade.
O Mestre fala de unidade, de troca, de interdependência em amor e práticas saudáveis. Como agricultor, o Pai cuida e limpa para que os ramos deem ainda mais frutos. Qualquer ação, desprovida da ‘participação’ da trindade, são apenas ações humanitárias sem qualquer alcance na transformação de caráter social e salvíficos.
Sem mim nada podeis fazer[10]… nos ensina que o perdão genuíno não acontece, que o comprometimento não se aprofunda, que a dedicação se torna superficial e enfadonha, que o amor incondicional continua apenas em teoria. Jesus nos ensina que fazendo como Ele fez, (sendo seus imitadores) e com Ele, expandimos o Seu Reino, vidas são transformadas desde as suas raízes mais profundas, o amor e a Graça de Deus alcançam o coração do pecador, restaurando-lhe a vida e trazendo salvação para sua alma. Enfatiza o poder da trindade eterna que usa homens e mulheres para impactar outras pessoas, povos, etnias e nações.
Sem mim nada podeis fazer… nos ajuda a manter o foco nas ações que são do Reino de Deus e não do reino dos homens, das instituições ou placas denominacionais. Nos encoraja a imitar os ensinamentos daquele que se entregou plenamente, não para ser reconhecido, mas, para tornar conhecido o plano de Deus para salvação do pecador. Ao sabermos que sem Ele não podemos fazer nada (de efetivo para o Reino) nos inspira a ir, em uma escala ascendente, de ações que vão demonstrar o amor uns aos outros, pois assim Ele nos amou[11].
Tenho certeza de que a história da vida dos missionários, que foram mortos, e a própria história, relatada por Steve, não teria o mesmo desfecho sem a presença de Jesus e as ações do Espírito de Deus em suas vidas.
Nenhum homem ou organização (em seu estado natural) poderá transformar, de forma integral, uma aldeia indígena ou uma comunidade, somente com seus recursos e habilidades; é Deus, através da ação do seu Espírito, que proporciona mudanças transformadores de dentro para fora.
Estas histórias nos mostram os resultados quando contamos com a presença de Deus em nossas ações. Por mais que em algum momento, passamos nos entristecer, ficar preocupados ou passarmos por momentos de perda, Deus transforma estes eventos em crescimento espiritual em nossas vidas, pois há uma entrega total e o entendimento de que tudo é para Ele e por Ele.
Que o Senhor nos ajude e ter isso mente em nossa vida como Igreja e principalmente no cumprimento da Grande Comissão!
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BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos King James – BKJ 1611 – Niterói, RJ : BV Films Editora, 2018.
SAINT, Steve. A grande omissão – Terminando a ordem de Cristo Completamente. Minas Gerais : Horizontes América Latina, 2017.
[1] CONPLEI – Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas da área jovem
[2] Idealizador e presidente do Ministério Janela Verde
[3] Assista o filme no Youtube
[4] Mais informações sobre o filme
[5] Era o segundo contato com os indígenas, no primeiro contato, os missionários ofereceram alguns ‘presentes’ descido através de balde, a partir do avião
[6] Cf. as páginas 33 e 34
[7] Cf. Atos 4:13
[8] Cf. João 15:1
[9] Cf. João 14:16vs
[10] Cf. João 15:5b
[11] Cf. João 15:12
