Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Março/2020
Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito reto. Salmos 51:10
Estou tentando lembrar quando foi que ouvi alguém dizer que ser cristão era só ir à igreja e cumprir alguns ‘requisitos’ básicos, mas não estou conseguindo lembrar. Penso que ninguém tenha, de fato, falado isso especificamente, muito pelo contrário, sempre ouvi que precisávamos anunciar o evangelho para outras pessoas, que precisávamos ser sal da terra e luz no mundo, que devíamos ser Igreja da porta para fora…
Mas o que aconteceu então? Eu creio que, por falta de ações práticas, dessas mesmas pessoas que só falavam e não faziam nada, me acostumei em frequentar a Igreja assiduamente. Percebi que há algum desejo em algumas pessoas em servir ao Senhor de forma mais efetiva, vivendo um evangelho mais efetivo e abandonar de vez a hipocrisia de só falar palavras certas, mas fracas e sem efeito. Não sei o que é pior: assumir que não queremos fazer nada efetivo e continuar com a mediocridade vivendo um evangelho insignificante, cumprindo rituais que não agradam ao Senhor ou, abandonar de vez o convívio na Igreja.
Há aqueles que assumiram o controle da sua vida, de tal forma que, consciente ou inconsciente, ‘criaram dois mundos’. Em um destes mundos, há o ‘ser’ cristão. Mas, é um cristão nominal, dentro do contexto descrito acima, básico, sem influência, sem sal, com luz totalmente enfraquecida. No outro mundo está aquele com a vida divorciada da espiritualidade, onde vive no mundo, pensando que está no controle de tudo, pois considera que é através do seu trabalho que tem todo seu sustento e, tem a total independência de outras pessoas e até de Deus. Este passa a ser seu modus vivendi. Tudo gira em torno desta cosmovisão, é o ‘EU’ no controle.
Ao pensar assim, é totalmente natural a prática religiosa superficial, que apresenta um ‘evangelho nominal’, sem efeito, frio e que não agrada ao Senhor. Moldaram um padrão de cristianismo (doentio) que os satisfaz a tal ponto que não se importam com os mais pobres, com os necessitados ou com aqueles que ainda não ouviram falar do evangelho transformador de Jesus. Não se importam com as comunidades minoritárias, como os indígenas, ribeirinhos, sertanejos, ciganos, quilombolas, moradores de ruas, idosos abandonados em hospitais, crianças órfãs, imigrantes, refugiados etc… Seu único conceito de cristianismo é, ser fiel na frequência dominical na Igreja local. Dentro delas, ouvem falar sobre avivamentos ou reavivamentos, pois alegam que a Igreja não pode continuar nessa mornidão. Com seu pensamento errôneo e básico do que é o evangelho, concordam com tal afirmação, olham para si, e nada acontece. Nada acontece em si e na própria comunidade eclesiástica, pois a igreja evangélica não precisa de reavivamentos, mas de reformas profundas e sérias.[1] Não é de mais conhecimento que os membros das igrejas precisam, mas de estudos profundos das Escrituras Sagradas, de orações sinceras e de reconhecimento do pecado por ter abandonado a participação efetiva no Reino de Deus.
Não quero dizer que não devemos mais ir ou frequentar a Igreja. O que estou afirmando é que a prática atual em se viver o evangelho nominal, foi diabolicamente construída e aceita pela maioria, inativa, da Igreja. Ao tentar viver uma espiritualidade individualista e sem efeito, dando mais importância à própria capacidade em se manter independente no mundo, a persona ocupou o primeiro lugar, que deveria ser de Deus[2]. Com o passar dos anos, acostumaram-se com as conferências para despertamento, reuniões sem pautas, cultos comemorativos, cafés nas manhãs, almoços e jantares, que mascaram a efetividade prática do evangelho… pura insensatez, leviana percepção, ativismo que tem roubado o tempo de muitos.
Como chegamos neste ponto, em achar que estamos promovendo o Reino de Deus sem oferecer alguma efetividade prática de engajamento aos membros das Igrejas locais?
Continuamos a pregar a necessidade em ser mais efetivos no reino, mas não estamos promovendo nada. Não criamos espaços de serviços, a partir da Igreja local, para que nossas palavras caminhem em paralelo com nossa prática. Se algum membro da comunidade local quiser ter uma prática mais assertiva e concreta ele deverá buscar outro local para expressar sua fé. Quanta hipocrisia, quanto tempo desperdiçado, quanto recurso destinado para obras humanas. Após mais de 2000 anos, muitos ainda não compreenderam a mensagem:
Deus não tem uma missão para a sua Igreja, Ele tem uma Igreja para a Sua Missão[3].
Note como invertemos este conceito?
Está consolidado o pensamento, no mundo evangélico, que a missão é de Deus e será Ele que vai fazer. Isso tem fundamento parcial, é claro! Mas, precisamos crer que fomos constituídos como Igreja de Deus para FAZER a Sua Missão, e não fazer NADA não é uma opção!
Ao não assumirmos nosso papel para fazer a missão, estamos fazendo muitas outras coisas que apenas satisfazem nossos desejos, sem qualquer efetividade para o Reino de Deus.
Repito: A igreja evangélica não precisa de reavivamentos, mas de reformas profundas e sérias.
Devemos limpar o caminho que foi obstruído com o passar dos anos que cegou líderes e desviou os rumos propostos pelo Senhor. Precisamos nos despir da insensatez em viver um evangelho confortável, sem compromisso, sem o Cristo de Deus. Um evangelho superficial, cheio de outros elementos que foram ‘acrescentados’ por homens de mentes pequenas.
Na era dos desejos e dos prazeres imediatos, a geração de crentes que ainda não se alimentam com o alimento sólido de Deus, busca por shows, luzes, canções e melodias emotivas; vivem em contendas de todo o tipo, invejas, ciúmes e outras práticas características no velho homem[4].
Nestes tempos, consolidou-se, por padrão a ‘eudaimonia’[5], como um estado de plenitude do ser. Na era dos desejos, importam os meus desejos, não o coletivo, importa o meu estado emocional, não o seu. Estamos cada vez mais distantes da percepção da necessidade ou dos sentimentos dos outros. O que era para ser uma virtude[6] no ser humano, passou a ser prazer e satisfação pessoal.
Dessa forma, a prática cristã deixou de ser efetiva para o outro e tornou-se necessidade apenas para o ‘EU’. É preciso se sentir bem em frequentar essa determinada Igreja, as canções devem atender aos seus próprios sentimentos, a pregação deve estar alinhada a este mesmo padrão, sem ‘cobranças’ ou confrontos com o pecado.
Na era dos desejos e dos prazeres imediatos não há lugar para compromissos, quer sejam financeiros ou, em uma presença física em lugares diferentes que obriguem a sair da zona de conforto. Não há qualquer prazer em viajar para lugares pobres, sem qualquer ponto turístico ou, para lugares sem qualquer tipo de conforto básico.
O ‘evangelho nominal’ moldou para si uma persona apática, concentrada em seu próprio vazio existencial, preocupada com suas próprias demandas e necessidades. Além disso, moldou um deus. Um deus que é acessado nos grandes eventos, em lugares específicos, que fica à disposição para atendimentos em eventos trágicos (pessoais, é claro)!
Ao se permitir moldar pelo ‘evangelho nominal’ a criatura abandona a missão dada pelo criador, usurpa sua posição e governa para si mesmo. Cria cenários condizentes com sua própria crença, não se importando com seu próximo ou com o compromisso de uma fé genuína e prática.
Apesar deste cenário ser predominante no meio cristão evangélico, há aqueles que aprenderam a lição. Que deram ouvidos ao Espírito de Deus e cumprem o seu chamado. Igrejas que não olham somente para si mesmas, que promovem o Reino de Deus, dentro e fora das quatro paredes. Que vivem o que pregam e pagam o preço de ser fiel ao Rei dos Reis e Senhor dos Senhores. Muitas delas sofrem caladas, suas necessidades são supridas por Deus, em Seu próprio tempo. Sem cenários mirabolantes, shows, luzes ou qualquer outro artifício humano, Deus age, Deus cura e transforma o pecador em ‘pescadores’ de homens!
O Senhor nos convida a uma reflexão profunda e séria para nossa caminhada cristã. Uma reflexão que, se for colocada diante do Deus criador, irá produzir ações e compromissos com nosso próximo e com o Seu Reino, pois será impossível resistir à ‘voz’ daquele que fundou a Igreja a partir da entrega do Seu próprio filho.
Precisamos compreender que o Cristianismo não é uma expressão religiosa para que possamos (apenas) nos sentir bem, mas é uma disposição aliada ao compromisso de olhar e agir em direção ao nosso próximo, como Jesus fez!
Que o Senhor nos ajude a viver um evangelho genuíno e transformador através da Sua Igreja para o mundo.
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BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos King James – BKJ 1611 – Niterói, RJ : BV Films Editora, 2018.
[1] Talvez lhe interesse a leitura do meu artigo: O mundo evangélico e sua tentativa em administrar Deus
[2] Sobre isso, leia o artigo: De imitatione Christi: O terceiro perante o mundo
[3] Por: Christopher Wright
[4] Cf. Apóstolo Paulo em 1ª Coríntios, capítulo 3.
[5] Definição de Eudaimonia
[6] Cf. Aristóteles, que considera a virtude e o seu exercício como o mais importante constituinte da eudaimonia