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A Miséria do Mundo

Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Abril/2019


Todo o mundo jaz no maligno. 1ª João 5.19b

Tomo emprestado o título do livro, *A Miséria do Mundo, uma coletânea de entrevistas coordenadas por Pierre Bourdieu, professor de Sociologia no Collège de France e diretor de estudos em Ciências Sociais na École des hautes études. Este livro contém pequenas novelas que descreve a crônica de uma assistente social abandonada num hospital, relata partes da história de vida de um metalúrgico órfão da classe operária, de um direitista extremado dependente da família, de um diretor de escola que foi vítima da violência urbana, de um policial num bairro de periferia, e de tantos outros como eles. Uma equipe de sociólogos dedicou-se durante três anos a compreender as condições de produção das formas contemporâneas da miséria social. É uma tentativa para se compreender as condições de produção das formas contemporâneas da miséria social, nos arredores de Paris.

No entanto, o foco deste artigo será a descrição de fatores que apresenta um mundo com características assombrosamente miseráveis, expandindo a porção destacado por Bourdieu em sua obra.

Acho este vídeo muito interessante! Seu título é ‘Man’, criação de Steve Cutts, ele retrata com clareza a capacidade do homem para a exploração e a consequente destruição da vida no planeta Terra. O vídeo tem apenas 3’ e 36”, que são suficientes para passar a mensagem da personalidade humana e suas ações nefastas para com os animais e a natureza. Veja!

Esta personalidade humana, está muito distante daquela de um agente cuidador designado por Deus em Gênesis. Decorrente do pecado da desobediência humana, toda a humanidade geme, ansiosa por restauração, conforme destaca o profeta Isaías, no capítulo 33, versículo 9a: ‘A Terra geme e pranteia…’. Nesta mesma linha, o apóstolo Paulo destaca em sua carta aos Romanos, no capítulo 8, versículo 33, que diz:

Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora.

O homem é uma espécie perigosamente insana e doente em seu estado natural. Sem a restauração ofertada por Cristo, naturalmente estará distante de pensar e executar o bem, seja para seu próximo, seja para a natureza.

A poluição do planeta é apenas um reflexo externo de uma poluição interior psíquica gerada por milhões de indivíduos inconscientes, sem a menor responsabilidade pelos espaços que trazem dentro de si. (TOLLE, 2002, 80).

Dessa forma, a miséria do Mundo, não se justifica apenas por características de ausência de cuidados da natureza de uma ou outra pessoa, ou governos que acreditam ou não no aquecimento global. A miséria do Mundo, apresenta a faceta de um ser humano caído, desobediente e pecador, que insiste em viver distante do seu criador, pouco se importando com as consequências de suas ações desumanas e perversas. Uma percepção mundial está ocorrendo devido às ‘novas’ alternativas de fontes energéticas e ao início da decadência do consumo do petróleo e seus derivados. Não que tenha sido uma iniciativa espontânea, mas pela dificuldade e altos custos na captação e produção para o consumo final. Outro ponto, é o fato de que em determinados locais não há mais produto bruto para ser extraído.

A miséria do Mundo se caracteriza pela ganância de governantes em permanecerem no poder a qualquer custo. A situação venezuelana é exemplo destas características. Um país que outrora se beneficiava da riqueza da extração e exportação do petróleo, hoje passa fome e o caos social se instalou no país. Muitos, na expectativa de uma vida mais digna, enfrentam situações migratória sem destino definido, colocando em risco suas vidas e de suas famílias, por não suportarem mais a situação desgraçada que sobreveio sobre seu país. Uma crise que a cada dia se acentua mais decorrente do amor ao poder de seu ditador Nicolas Maduro. A situação está tão crítica que muitas pessoas encontram na prostituição a única forma de conseguir dinheiro para comprar comida e alimentar sua família, conforme recente reportagem da BBC. (Clique AQUI para ler a matéria completa).

A miséria do Mundo se caracteriza pelo uso constante de plásticos, que ao longo dos anos foram moldados pela indústria trazendo mais conforto para o dia a dia, principalmente para aqueles que vivem nas cidades. A falta de um descarte correto e a ausência de programas de reciclagem desses materiais trouxeram destaques para estes produtos como vilões do Planeta. Chegamos ao limite onde o lixo descartado interfere na reprodução dos animais, levando muitos à morte decorrente da ingestão ou por ficaram presos aos resíduos plásticos. Segundo uma reportagem da revista eletrônica ISTOÉ, destaca que:

Aproximadamente 1 milhão de garrafas plásticas são produzidas no mundo por minuto. Correndo na mesma linha exorbitante, relatórios preveem que 111 milhões de toneladas de plástico devem acabar em aterros sanitários e oceanos até 2030. (Clique AQUI para ler a matéria completa).

A miséria do Mundo mostra pessoas que perderam tudo, inclusive suas ‘nacionalidades’. Não pertencem mais ao seu país e a nenhum outro. Milhões de refugiados são o retrato da desigualdade, do abandono, da indiferença, da capacidade do ser humano em mostrar-se cruel, pois além de serem explorados, são também expostos a humilhações. Segundo António Guterres, atual presidente das Nações Unidas:

Há atualmente mais de 60 milhões de refugiados, requerentes de asilo e pessoas deslocadas internamente no mundo. “O número de pessoas deslocadas por conflitos em todo o mundo todos os dias quadruplicou: de quase 11.000 por dia em 2010 para 42.500 por dia no ano passado”, alertou o alto comissariado da ONU para Refugiados. (Clique AQUI para ler a matéria completa).

A miséria do Mundo é também representada pela riqueza de poucos e a pobreza de muitos. Uma desigualdade exagerada, muitas vezes, fruto de desvios, roubos e apropriações irregulares que vem de geração para geração. Recente, foi publicado o artigo do Dr. José Neivaldo de Souza, abordando sobre o Planeta Terra, decorrente da comemoração do dia internacional da Terra. (Leia a integra do artigo clicando AQUI).

Neste artigo o autor afirma que:

Entre 2017 e 2018 “26 pessoas possuem a mesma riqueza dos 3,8 bilhões que compõem a metade mais pobre da humanidade”. (Cf. jornal O Globo – Mapa da desigualdade mundial divulgado no Fórum de Davos). (Clique AQUI para ler a matéria completa).

A miséria do Mundo nos é apresentada quando os mais ricos da nação, num gesto, dito solidário, doaram mais de 800 milhões de Euros em poucas horas para restauração da catedral de Notre-Dame em Paris que, por um descaso corriqueiro, pegou fogo. Ao ponto que os ‘coletes amarelos’ estão nas ruas há meses, simplesmente para não permitir que as propostas do governo de Emmanuel Macron os explorem ainda mais. Eles lutam contra o aumento dos preços dos combustíveis, do alto custo de vida, da consequente redução do poder de compra, assim como a não aceitação das reformas fiscais e sociais com alto impacto nos salários. A intenção de comparar os recursos doados para reconstrução da catedral e as necessidades sociais, em minha opinião, não é uma comparação direta, como que estes recursos devessem ter a destinação para resolver a pobreza, em Paris, por exemplo. A percepção está no fato de solidário e imediato, em colocar os recursos que trarão uma exposição, mais alinhada para quem doa, na divulgação do seu nome e de sua organização. Semelhante aos governos, que investem mais em obras que apresentam mais exposição em detrimento ao investimento em saneamento básico, que não tem o mesmo efeito expositivo, pois fica tudo sobre a terra, distante dos olhares de seu eleitorado.

Para alguns esta relação é imprópria, mas a considero oportuna pelo fato desta percepção humana, de forma geral, em preservar mais estruturas materiais do que atender à população de forma digna. Semelhante comparação fez João Calvino em sua obra, Instituição da Religião Cristã (1536), precisamente no livro IV, capítulo IV, onde trata sobre o Estado da Igreja Primitiva e o Modo de Governo usado antes do Papa. Calvino descreve especificamente sobre questões de bens materiais e sua administração. Neste capítulo, Calvino diz que não cabe à Igreja acumular riquezas e permitir que o pobre morra de fome. Assim, pergunta ele:

Não perguntará Deus: Por que vocês estão consentindo que tantos pobres morram de fome, tendo ouro para comprar-lhes alimentos? Por que vocês deixaram levar cativos a tanta gente pobre, e não os resgataram? Por que vocês permitiram que matassem a tantos? Não seria melhor conservar os vasos vivos e não os vasos mortos de metal? (CALVINO, 1988, 854).

A miséria do Mundo também é retratada nos recentes ataques contra igrejas Cristãs e hotéis no Sri Lanka matando mais de 200 pessoas no domingo de Páscoa.

A miséria do Mundo ganha destaque com a guerra Civil na Síria que se estende desde 15 de março de 2011 até os dias de hoje. Enquanto a oposição alega estar lutando para destituir o presidente Bashar al-Assad, para posteriormente instalar uma nova liderança mais democrática no país, o governo Sírio diz estar apenas combatendo ‘terroristas armados que visam desestabilizar o país’. Um sofrimento generalizado que se aproxima de uma década.

A miséria do Mundo se apresenta através dos intermináveis combates na Líbia que deixaram mais de 170 mortos e 750 feridos, somente nas duas primeiras semanas de abril/2019, provocando o deslocamento de mais de 8 mil pessoas, desde o dia 4. Estes combates são pelo controle de Trípoli, a capital da Líbia, que acontecem entre o governo imposto pelo ONU na cidade e as tropas lideradas pelo marechal Khalifa Hafter, o homem forte do país.

A miséria do Mundo está no fato da adoração e à aceitação do ‘convite’ do deus deste século, conforme descrito no evangelho de Lucas, capítulo 4, versículos 5 a 7, que diz:

E o diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe em um instante todos os reinos do mundo. E disse-lhe o diabo: Dar-te-ei todo este poder e a sua glória; porque foi entregue a mim, e o dou a quem eu quero. Portanto, se tu me adorares, tudo será seu.

Momento em que Jesus, logo depois de ser tentado pelo diabo, dá início ao seu ministério. Um ministério de pode e graça somente será possível ao adorar o único Deus verdadeiro, criador e mantenedor de todas as coisas. Semente será possível com negações das ambições terrenas, como poder, dinheiro, ganância. Ilusões passageiras que provocam cada vez mais a miséria do Mundo.

A miséria do Mundo se torna ainda mais estarrecedora quando a igreja, na atualidade, se ocupa de vários outros compromissos e ações, que ofuscam o anúncio do evangelho transformado e restaurado oferecido da cruz.

A miséria do Mundo é ainda mais evidente quando cristãos acomodados, cumprem apenas seus ritos ministeriais e dominicais, focados em ações irrelevantes para o Reino, pois forjaram um Deus próprio que cuida e dá atenção apenas para as suas necessidades.

A miséria do Mundo se enraíza na conformidade com este mesmo mundo… enraíza-se na não aceitação em oferecer um sacrifício vivo de negação do ‘eu’, opondo-se completamente à este conformidade com o mundo, alertada pelo apóstolo Paulo em sua carta ao Romanos, capítulo 12, versículos 1 e 2, que diz:

Suplico-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, de apresentardes os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.

Somente através deste sacrifício vivo, santo e agradável a Deus é que vamos poder ver, observar e agir no sentido oposto ao qual caminha a humanidade, sendo Sal e Luz e, realizando ações relevantes para que outras pessoas sejam transformadas pelo poder do evangelho do Cristo de Deus.

Somente através deste sacrifício vivo, santo e agradável a Deus é que, ao se inteirar sobre a miséria do Mundo, serei profundamente abalado por seus resultados que não me fará ficar acomodado sem fazer nada, ou fazendo muitas coisas, irrelevantes para o Reino.

Que o Senhor nos faça enxergar a miséria do Mundo, mas que também nos dê a sabedoria em desenvolver ações que possam minimizar os efeitos destas misérias, trazendo alívio para quem está padecendo em sofrimento e dor.

 

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BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos King James – BKJ 1611 – Niterói, RJ : BV Films Editora, 2018.

BOURDIEU, Pierre. A MISÉRIA DO MUNDO. Com contribuições de A. Accardo Petrópolis, RJ : Vozes, 1997.

CALVINO, Juan. Institución de la Religión Cristiana. Buenos Aires : Nueva Creación, 1988.

*Talvez possa lhe interessar um breve artigo que traz um contraponto entre o livro citado e as faces da exclusão social e escolar. Clique AQUI para ler A MISÉRIA DO MUNDO E AS FACES DA EXCLUSÃO SOCIAL E ESCOLAR – de Gilson R. de M. Pereira e Maria da Conceição Lima de Andrade da Universidade Regional de Blumenau.

TOLLE, Eckhart. O Poder do Agora – Um guia para a iluminação espiritual. – Rio de Janeiro, RJ : Sextante, 2002

Imagem de Stefan Keller por Pixabay

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