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A morte do Homem

Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Março/2019


Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus – Romanos 3:23

Perplexo com os acontecimentos, nacionais e internacionais, que nos alcançaram desde os primeiros dias do ano de 2019, quero discorrer algumas linhas sobre minhas impressões deste cenário. A cada dia ficamos estarrecidos com as notícias, quer sobre desastres ambientais (que estão muito mais frequentes – me refiro aqui às situações climáticas), quer sobre acidentes (quedas de aviões e helicópteros), quer por latrocínios (roubos seguidos de mortes), quer por agressões físicas (geralmente, ‘homens’ agredindo e até tirando a vida de mulheres), quer por covardes ataques em escolas, shoppings, cinemas, mesquitas, igrejas…), quer pelos desastres de barragens, deslizamentos, corrupções, ganância pelo poder etc, a lista é grande, mas, vou para por aqui.

Algumas pessoas buscam respostas em ‘oráculos’ por acharem que as respostas não estão na razão humana, também creio. A pergunta que todos fazem: Por que essas ‘tragédias’ acontecem? (entenda ‘tragédias’ qualquer um dos eventos descritos acima ou outros que impactam a vida, individual ou coletiva).

Outros apontam seus adversários ao afirmarem que há negligência ou, esta, ou aquela política social não está funcionando.

Na área da sociologia, pensadores ‘alimentaram’ a sociedade com seus estudos, testes, escalas, análises e que resultam em teses acadêmicas. Neste contexto, podemos observar que estas análises vêm, há muito tempo, dando subsídios para outros autores arriscarem seus palpites e tecerem comentários da forma como anda a sociedade. Observe nas datas abaixo, os autores e suas obras correlatas sobre este assunto:

1844 – Karl Marx diz que os humanos se tornaram alienados de sua própria essência como resultado sistêmico do capitalismo.

1903 – Em ‘A metrópole e a vida mental’, Georg Simmel sugere que a vida urbana gera alienação e indiferença.

1955 – Erich Fromm publica The Sane Society.

1956 – O sociólogo americano Leo Srole desenvolve uma escala de alienação.

1959 – O sociólogo americano Melvin Seeman diz que a alienação resulta da falta de poder e de normas, do isolamento social, do estranhamento cultural e do auto estranhamento.

1968 – O sociólogo israelense-americano Amitai Etzioni diz que a alienação resulta dos sistemas sociais, que não satisfazem as necessidades humanas básicas.

O sociólogo e psicanalista alemão Erich Fromm[1] (1900-1980) afirmava que, durante a industrialização do século XIX, Deus foi declarado morto, a ‘desumanidade’ significava crueldade e havia o risco inerente de que as pessoas se tornassem escravas. Mas, no século XX, o problema mudou: alienadas do senso do eu, as pessoas perderam a habilidade de amar e raciocinar por si mesmas. Na verdade, o ‘homem’ morreu. A ‘desumanidade’ passou a significar a falta de humanidade. As pessoas corriam o risco de se tornarem robôs. Ele atribuiu esse senso de alienação ao surgimento das sociedades capitalistas ocidentais e acreditava que os fatores sociais, se unem para produzir um ‘caráter social’ comum a todos os cidadãos.

Na era industrial, conforme o capitalismo aumentava sua dominação global, os Estados encorajavam as pessoas a se tornarem competitivas, exploradoras, autoritárias, agressivas e individualista. No século XX, em contraste, os indivíduos foram reposicionados pelos Estados capitalistas para se transformarem em consumidores cooperativos, com gostos padronizados, que podiam ser manipulados pela autoridade anônima da opinião pública e do mercado. A tecnologia assegurava que o trabalho se tornasse mais rotineiro e chato. Fromm advertia que, se as pessoas não ‘saíssem da rotina’ em que se encontravam e reivindicassem sua humanidade, elas ficariam loucas tentando viver uma vida sem sentido, robótica.

‘O sorriso sintético tomou o lugar do riso genuíno, e a sensação do desespero ocupou o vazio deixado pela dor autêntica’. Erich Fromm

Outro sociólogo que antecedeu Erich Fromm e, deixou um legado muito importante para a sociedade, foi Émile Durkheim[2] (1858-1917). Ele esboçou a teria dos diferentes tipos de solidariedade social em sua tese de doutorado, intitulada: Da divisão do trabalho social, afirmando que:

A humanidade evoluiu de pequenas comunidades ou agrupamentos homogêneos para a formação de sociedades grandes e complexas. Na sociedade tradicional, a religião e a cultura criaram uma consciência coletiva capaz de produzir solidariedade. Na sociedade moderna, a divisão do trabalho trouxe uma maior especialização, e o foco mudou para o indivíduo em vez do coletivo de modo que a solidariedade agora vem da interdependência de indivíduos com funções especializadas. Logo a sociedade, assim como o humano, tem partes, necessidades e funcionamento inter-relacionados. (p.35)

Para Durkheim, a religião, especialmente as estabelecidas há mais tempo, como o judaísmo, são instituições sociais fundamentais que dão às pessoas um forte senso de consciência coletiva e que a velocidade da industrialização, forçou a divisão do trabalho tão rapidamente na sociedade moderna que a interação social não se desenvolveu o suficiente para se tornar um substituto da consciência coletiva declinante. Os indivíduos sentiam-se cada vez mais desconectados da sociedade, especialmente em relação à orientação moral que a solidariedade mecânica antes lhes dava.

Em seus estudos e escritos, Durkheim, descreve que em comunidades onde havia crenças fortes e coletivas, a taxa de suicídio (ele tem uma obra intitulada: O Suicídio – 1897), por exemplo, era menor do que em outros grupos.

Com tantas mudanças acontecendo na sociedade e a busca constante por ‘definições’ ou conceitos que a possam explicar, eis que surge os escritos do sociólogo polonês, Zygmunt Bauman[3] (1925-2017), tendo como obras principais: 1989 – Modernidade e Holocauto; 2000 – Modernidade Líquida; 2011 – A cultura num mundo líquido moderno (há vários outros temas).

A tônica dada por Bauman foi ‘redefinir’ os conceitos, antes concretos/sólidos, por um processo ou conceito mais fluído.

Conforme a sociedade se afastou da primeira fase da modernidade, conhecida como ‘modernidade sólida’, as fontes de identidade são corroídas, levando a identidades consumistas fragmentadas, onde as pessoas têm mais liberdade para viajar para qualquer lugar do mundo, onde a incerteza econômica e a concorrência crescem, enquanto a segurança no trabalho enfraquece, tornando, assim, a sociedade global fluida, altamente volátil e incerta. À essa concepção Bauman chama de modernidade líquida.

As argumentações apresentadas até aqui são pertinentes e excelentes para nos ajudar na conceituação de sociedade, ou como ela se apresentou/apresenta num processo histórico/sociológico. No entanto, falta subsídios para a resposta à pergunta: Por que essas ‘tragédias’ acontecem?

 Ao mesmo tempo, creio que estes teóricos não tinham como foco a intenção de buscar uma resposta como esta. A minha intenção, apresentando estas linhas de raciocínio, não foi com o intuito de encontrar esta resposta nas exposições, mas, compor um cenário em que, há uma tentativa pelo modus vivendi da sociedade, onde algumas se aproximam mais de uma resposta plausível, ao ponto que outras, se afastam por completo.

Por exemplo, é assertivo o que o sociólogo e psicanalista alemão Erich Fromm, argumenta sobre o século XX, dizendo que:

As pessoas estariam alienadas do senso do eu, perderam a habilidades de amar e raciocinar por si mesmas. Que o ‘homem’ teria morrido e a ‘desumanidade’ passou a significar a falta de humanidade.

Também, creio serem assertivas as argumentações de Durkheim ao afirmar que as necessidades e funcionamento inter-relacionados. Assim, ele afirma:

Na sociedade moderna, a divisão do trabalho trouxe uma maior especialização, e o foco mudou para o indivíduo em vez do coletivo de modo que a solidariedade agora vem da interdependência de indivíduos com funções especializadas. Logo a sociedade, assim como o humano, tem partes, necessidades e funcionamento inter-relacionados.

E, não menos importante que:

[…] em comunidades onde havia crenças fortes e coletivas, a taxa de suicídio, por exemplo, era menor do que em outros grupos.  

Agora, em minha opinião, as afirmações de Bauman, corroboram de fato com meus argumentos a seguir, quando diz que:

[…] as fontes de identidade são corroídas, levando a identidades consumistas fragmentadas, onde as pessoas têm mais liberdade para viajar para qualquer lugar do mundo, onde a incerteza econômica e a concorrência crescem, enquanto a segurança no trabalho enfraquece, tornando, assim, a sociedade global fluida, altamente volátil e incerta.

Assim, com esta alienação, a desumanidade, e a composição de uma sociedade fluida, volátil e incerta, apresenta a decadência e a certeza da ‘morte do homem’. Pessoas que no seu individualismo, usurpam os bons relacionamentos, que por sua vez, usurpam a vida de inocentes.

O Apóstolo Paulo, ao afirmar que: Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, reconhece o pecado na humanidade, mas também afirma que todos carecem da glória de Deus para a regeneração. A natureza do homem é pecaminosa, e não há outra explicação ou resposta mais plausível que esta para nossa pergunta. Estas tragédias acontecem porque o homem é pecador e está distante de Deus. Seu coração é frio e tendencioso para o mal. Sem Deus o homem está morto e com ele todas as vãs doutrinas, filosofias ou qualquer outro argumento, que pela razão, busca dar uma resposta, que atenda a necessidade humana.

Qualquer outra resposta seria paliativa e simplista, podendo até mesmo ser ‘socialmente correta’, mas teologicamente despida da verdade.

Neste contexto, ainda é assertiva a afirmação do Apóstolo, escrevendo aos Romanos que diz:

Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora. (cf. Romanos 8.22).

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BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos de Genebra – São Paulo: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

[1] Fromm, Erich – O livro da Sociologia – 2ª Ed. São Paulo : Globo Livros, 2016. (p.188)

[2] Durkheim, Émile – O livro da Sociologia – 2ª Ed. São Paulo : Globo Livros, 2016. (p.34)

[3] Bauman, Zygmunt – O livro da Sociologia – 2ª Ed. São Paulo : Globo Livros, 2016. (p.138)

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