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Já não tenho tempo

Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Abril/2019


Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. Salmo 42.1

À medida que envelhecemos nossa percepção de mundo vai mudando sensivelmente! É uma sensação interessante, única e desafiadora! No mesmo instante que percebemos o tempo de forma diferente do que os mais novos, por vezes, um determinado dia parece não terminar nunca, ao ponto que outro, foi rápido demais.

À medida que envelhecemos nossa percepção de tempo perdido ou desperdiçado fica mais acurada. Como se fosse mágica, conseguimos dimensionar nossa estratégia em como usar da melhor forma as 24 horas de cada dia.

À medida que envelhecemos vamos perdendo a agilidade juvenil para algumas coisas. Objetos chegam ao chão com mais facilidade, tardamos em tomar decisões, ficamos mais ‘chatos’ diriam alguns.

À medida que o tempo vai passando, conquistamos alguns ‘poderes especiais’, mesmo com as dificuldades. Ficamos mais assertivos em algumas decisões, e extremamente vulneráveis em outras. Sem acompanhamento, tornamos atrozes de nós mesmos e até dos que estão mais próximos nós.

À medida que ficamos mais velhos, em determinadas situações, julgamos ter as respostas para tudo, talvez por causa deste suposto ‘poder especial’. No final, chegamos à conclusão que esse ‘poder’ não era tão especial, mas era só uma suposta sensação de tê-lo.

O que dizer então, sobre nosso corpo, nossas articulações, tendões, pele, cabelos, órgãos… O tempo é implacável e age sobre nós e, em nós, a cada tic tac do relógio.

O implacável tempo vai se esgotando, como areia entre os dedos das mãos. E, o tempo que esta areia teria para chegar ao chão, o mesmo tempo a espalha. Não dá tempo!

À medida que envelhecemos, não dá mais tempo para ficar perdendo tempo! Percebo, na rigorosidade em querer administrar melhor o tempo, que nesse mesmo tempo, meu grau de ansiedade bate recordes. Daí, com meus poderes ‘quase especiais’, percebendo a situação, encontro soluções e, como num passe de mágicas, sem nenhuma química, ajusto a terrível situação. À medida que o tempo voa, passamos a nos conhecer mais e melhor. Claro que não são todos que chegam neste estágio de sabedoria temporal.

Outros tantos, além de não se conhecerem, também desconhecem os outros. O tempo, acelerou o envelhecimento dos neurônios. Implacável tempo, você será vitorioso, eu sei.

Ao refletir sobre o tempo, me veio à mente, o poema do majestoso Rubem Alves, que também refletiu sobre este mesmo assunto, cunhando como título: O tempo e as jabuticabas, que diz assim:

Contei meus anos e
descobri que terei menos tempo para viver
daqui para frente do que já vivi até agora.

Tenho mais passado do que futuro…
Sinto-me como aquele menino
que ganhou uma bacia de jabuticabas…

As primeiras, ele chupou displicente…
mas percebendo que faltam poucas,
rói o caroço…

Já não tenho tempo
para lidar com mediocridades…

Não quero estar em reuniões
onde desfilam egos inflados.

Inquieto-me com invejosos
tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo
para conversas intermináveis…

Já não tenho tempo para administrar
melindres de pessoas que,
apesar da idade cronológica,
são imaturas…

Detesto fazer acareação de desafetos
que brigaram pelo majestoso
cargo de secretário geral do coral…

As pessoas não debatem conteúdos…
apenas os rótulos…

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos…
quero a essência…
minha alma tem pressa

Sem muitas jabuticabas na bacia,
quero viver ao lado de gente humana, muito humana;
que sabe rir de seus tropeços…
que não se encanta com triunfos…
que não se considera eleita antes da hora…
que não foge de sua mortalidade…

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade…

O essencial faz a vida valer a pena…
e para mim
basta o essencial…

À medida que o tempo vai sendo implacável comigo, volto meu pensamento para a minha alma. Assim como o autor, reconheço que minha alma tem pressa. É como uma pessoa que tem pressa por estar sedenta. Considero que é uma pressa de uma pessoa ‘madura’ e não aquela pressa gerida pela emoção.

A pressa e sede da minha alma está mais para aquela descrita pelo salmista, que por alguma razão encontrava-se longe de Jerusalém e declara ao Deus eterno seu pranto no Salmo 42.2 que diz:

A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo…

Não me furto da segunda parte do versículo que diz:

…quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?

A maturidade em aceitar e viver isso… só vem com o tempo…

E junto com esta maturidade, vem também a sabedoria em afirmar, nos momentos mais difíceis…

Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim?

Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu. Salmos 42:11

Que a cada dia possamos ter a sabedoria em dizer:

Já não tenho tempo, (a perder com futilidades) pois aprendi a valorizá-lo e a tratá-lo como o melhor dos meus recursos.

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BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos de Genebra – São Paulo : Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

Imagem de Myriams-Fotos por Pixabay

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