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O Shalom de Deus e o conceito moderno de progresso

Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Setembro/2019


Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. Romanos 8:22

No momento em que questões ambientais estão em discussões em todos os meios de comunicação no país e em outras nações, quero discorrer neste texto sobre a visão teológica de cuidado (ou descuidados) por parte dos cristãos e de suas respectivas igrejas dentro da perspectiva da missão integral, que abordarei na terceira parte deste artigo. Antes, quero conceituar alguns termos para que possamos seguir todos na mesma linha de raciocínio.

Aqui cabe um destaque sobre outro artigo que escrevi em setembro de 2018, intitulado: A prática da missão integral.

O primeiro conceito que descrevo é sobre a definição do que é entendido por missão integral na fala de Renê Padilha em seu livro: O que é Missão Integral?

“Embora a expressão ‘missão integral’ esteja na moda, o modelo de missão que ela representa não é recente. Com efeito, a prática da missão integral remonta a Jesus Cristo e à igreja do primeiro século. Além disso, cabe destacar que, atualmente, há um crescente número de igrejas que a praticam sem necessariamente usar a expressão para referir-se ao que estão fazendo: ‘missão integral’ não faz parte do seu vocabulário. E é óbvio que a prática da missão integral é muito mais importante que o uso deste conceito para referir-se a ela. A expressão ‘missão integral’ foi gerada principalmente no seio da Fraternidade Teológica Latino-americana há mais ou menos duas décadas. Ela foi, na realidade, uma tentativa de destacar a importância de conceber a missão da igreja dentro de um marco de referência teológico mais bíblico que o ‘tradicional’, ou seja, o que se havia instalado nos círculos evangélicos, especialmente por influência do movimento missionário moderno. Nos últimos anos, tem se difundido de tal modo que a tradução literal da expressa para o inglês, integral mission, está incorporando-se, pouco a pouco, ao vocabulário daqueles que, fora do âmbito dos evangélicos de fala espanhola, defendem uma aproximação mais holística à missão cristã.” PADILHA, 2009 p.13-14

Outra questão balizadora é a descrição como a maioria dos evangélicos procuram desenvolver sua prática quando pensam e planejam a evangelização. Tradicionalmente, a maioria concentrado seus esforços na evangelização definida como a difusão das ‘boas novas de que Jesus Cristo morreu por nossos pecados e ressuscitou segundo as Escrituras, e de que, como Senhor e Rei, ele agora oferece o perdão dos pecados e o dom libertador do Espírito a todos os que se arrependem e creem. A preocupação central tem sido a reconciliação do homem com Deus em nível pessoal. Nem sempre eles têm visto a estreita relação que há entre o amor de Deus e o amor ao próximo, entre a fé e as boas obras, entre a justificação em Cristo e a justiça social, conforme argumenta PADILHA, 2009 p.93.

Agora, trago à memória uma palavra carregada de significados importantíssimos para a fé cristã que é a palavra Shalom.

Para isso, convido você a iniciarmos essa investigação pelo Antigo Testamento, precisamente no livro de Gênesis, quando lemos sobre a criação. Nesta narração, vemos que Deus prepara um cenário, composto e organizado de tal forma que irá atender o ser humano de forma integral. Um cenário de paz e harmonia. Uma paz, no sentido mais amplo possível. Olhando dessa perspectiva, podemos observar que há várias citações para a palavra PAZ na bíblia, que foram transliteradas da palavra Hebraica ‘Shalom’.

Logo, observamos uma boa definição, na citação de Derek Williams que diz:

A palavra paz do AT – Shalom – significa “completude”, “saúde” e “bem-estar”. Pode significar prosperidade material (Sl 122.6ss.) ou segurança física (Sl 4.8), mas também pode significar bem-estar espiritual associado à retidão e à verdade (Sl 85.10; Is 57.19ss.). Era considerada um presente de Deus, de modo que a era messiânica seria um tempo de paz (Is 11.1ss.). O NT mostra o cumprimento dessa esperança; Jesus trouxe a paz (Lc 1.79) e a concedeu a seus discípulos (Lc 7.50). A palavra do NT contém todo o significado de Shalom e está ligada à retidão (Rm 14.17). O sacrifício de Cristo pelo pecado traz às pessoas paz com Deus (Rm 5.1) seguida de paz interior (Fp 4.7) não turvada pelas lutas do mundo (Jo 14.27). Jesus morreu em parte para criar a paz entre as pessoas (Ef 2), mas elas devem promovê-la ativamente [grifo meu] (Ef 4.3) já que o Espírito as enche dela (Gl 5.22). WILLIAMS, 2000, p. 280

O mundo criado e existindo na mais perfeita ordem, o Shalom de Deus estabelecido.

Para Clóvis Castro, Shalom representa:

…um estado de integridade, harmonia, inteireza e unidade. Relaciona-se também à ideia de bem-estar-social, prosperidade, plenitude de vida, realização de vida pessoal, comunitária e nacional. CASTRO, 2000, p. 96.

Dessa forma, podemos concluir que tudo o que foi criado, foi colocado à disposição do homem para que ele o utilizasse, cuidasse e administrasse.

Assim, a sabedoria do criador não se limitou em atender apenas a área espiritual do ser humano, mas, de forma majestosa, deu a ele alimento, água, ar e tudo mais. Ainda, para atendê-lo de forma mais completa, o criador lhe deu uma auxiliadora. Pode-se observar aqui que o ser humano é uma unidade de corpo, alma e espírito, inseparáveis entre si, com suas necessidades básicas satisfatoriamente atendidas.

Passado algum tempo, com a queda do homem em desobediência, seus benefícios em usufruir da criação não foram extirpadas, mas, foram de certa forma, “prejudicadas” em sua essência. Corrobora com este pensamento o autor Juan Stam quando afirma:

A criação não se contempla separada da salvação, nem a salvação separada da criação. Por isso, a teologia bíblica da criação é absolutamente indispensável para nossa fiel compreensão tanto do Evangelho como da missão da Igreja. Jamais podemos entender biblicamente a salvação e a missão se desvincularmos da criação. STAM, apud PADILLA, 2006, p. 30.

Assim, temos a junção destes elementos em que, Deus cria tudo em perfeita ordem e harmonia, que o anúncio das boas novas não está divorciado de contextos de ordem social e física (além do espiritual) e que, como igreja nos cabe ainda a tarefa de cuidadores da criação de Deus.

Isto posto, vamos nos aprofundar no tema, propriamente dito que é: O Shalom de Deus e o conceito moderno de progresso.

I – A IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS NA CRIAÇÃO

No princípio, criou Deus os céus e a Terra. Segundo o relato bíblico, tudo o que o Senhor criou foi bom, inclusive o ser humano, criado à Sua imagem e semelhança. Tudo o que foi criando foi entregue ao homem para que este cuidasse:

E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra. Gênesis 1:26

A narrativa bíblica nos mostra o Deus criador e mantenedor da vida, criando e dando suporte para manutenção de toda a sua criação, antes e depois da desobediência humana.

Mostra a preocupação de Deus com a continuidade das espécies no sentido de multiplicar-se e encher e povoar a terra, colocando o homem como o cuidador de tudo o que foi criado.

 

II – O DESEJO HUMANO CONCRETIZADO NO CONCEITO DE PROGRESSO 

Em nome do progresso o homem já produziu muitas atrocidades. Usurpou terras, eliminou etnias rompendo limites geográficos, reduzindo ao pó culturas inteiras.

Lembre-se, vaca não dá leite muito menos a sua própria carne, abelha não dá mel, galinha não dá ovos. Cada animal, com suas características e capacidades de reproduções, principalmente para sua própria espécie, sofre de explorações que vão além da simples racionalidade de manutenção da vida do ser humano. O homem, destituído do Espírito da Criação (onde deveria ser o cuidador) usurpa a criação natural e promove a exploração insana e nefasta, em nome do progresso e da manutenção da sua própria espécie.

Sobre a insanidade que paira sobre a humanidade, quero introduzir aqui um conceito que me chama muito a atenção, que é o conceito de galactolatria’. Este termo significa idolatria ao leite, pessoas que bebem leite diariamente. É sabido que existe uma gigantesca indústria criada pelo homem que explora as questões naturais. Esta exploração perpassa o simples objetivo de fornecimento de ‘alimento’ (que deveria ser apenas para o infante) e ultrapassa os objetivos gananciosos de seus detentores. A necessidade por leite e seus derivados, foi ‘sugerido’ ao longo do tempo, por uma indústria que preza questões econômicas. Seus poderosos recursos que, ao longo do tempo instituiu a necessidade ao ser humano, está totalmente afastada da natureza humana. Hoje, tomar leite na idade adulta, é apenas um desejo e não necessidade de manutenção ou sobrevivência. Assim, para dar mais subsídios nesta linha de raciocínio trago à reflexão, porções do livro da Dra. Sônia T. Felipe – Galactolatria – mau deleite.

Evidentemente, não quero defender aqui, uma total demonização das indústrias, seja do leite ou outras, no sentido de desmerecer qualquer linha evolutiva, em termos de progresso da humanidade. As observações que faço são no sentido de alerta, para que possamos entender como o ser humano se afastou de ser o elemento cuidador, tornando-se o principal explorador dos bens naturais (animais ou vegetais) que lhes foram dados para sua manutenção. Vamos aos relatos sobre as questões do leite e sua exploração abusiva.

Sobre os antibióticos que são ministrados  

Não bastassem os mais de 60 antibióticos usados regularmente para conter os altos índices de infecção que afetam as vacas, no início dos anos 90, mais de 50 outras drogas não aprovadas pela FDA (Food and Drug Administration), no território estadunidense, deixavam sua pegada nos leites, levantando a suspeita de serem usadas ilegalmente pelos produtores […] Do mesmo modo que não há fiscalização exaustiva dos teores de pus no leite, também não há fiscalização exaustiva das drogas empregues pelos produtores. […] Com a UTH (Ultra High Temperature) criou-se a ilusão de que não há resíduos danosos no leite. p.103

Sobre o leite pasteurizado e pus decorrente das inflamações                                                                                               

[…] Quase metade do leite ingerido na América do Norte provém de vacas com inflamação no úbere. […] No processo UHT – Ultra High Temperature o pus semicozido continua sendo pus. Neste caso, todas as enzimas são destruídas, o que garante a estocagem do produto nas prateleiras dos supermercados e o armazenamento doméstico, sem a necessidade de refrigerar. Segundo Schimid, enzimas “são moléculas grandes compostas quase, ou, inteiramente, de proteínas; são encontradas em todas as células e são essenciais à vida”. Elas atuam como catalizadoras de reações bioquímicas, tanto dentro, quanto fora das células. Cada enzima tem uma forma única, que lhe permite catalisar apenas um tipo específico de reação. Sem elas, não há vida. O que a indústria e a propaganda do leite não revelam ao público consumidor é que, se não tem mais enzimas, o leite está tão morto, do ponto de vista da atividade biológica, quanto um refrigerante. Nenhum processo de fermentação ocorrerá. Enfim, com a pasteurização, o leite foi convertido em nada mais do que um líquido branco, tão natural quanto outro sintético qualquer. p.98

O tormento da extração diária do leite

[…] Para melhor configurar o tormento que a extração do leite representa para uma vaca, basta se imaginar em pé numa baia com uns poucos centímetros mais larga que seus ombros e quadris, presa a uma canga pelo pescoço, de tal modo que não possa olhar para os lados, nem para trás. Nesse espaço, de pé, com as unhas encravadas, imagine-se passando as próximas 24 horas, sendo-lhe dada uma dieta que faz seu estômago e intestino estufarem (pois, geralmente as “rações” que são dadas às vacas são totalmente diferentes do capim) sufocando-a, ou causando-lhe diarreias. Nessa mesma posição, vai urinar, defecar, dormir e comer, sem poder sentar-se ou deitar-se. Como estariam os tecidos da sola dos seus pés, suas articulações e unhas encravadas, após as primeiras 24 horas? Doendo? Inchados? Arroxeados? Com bolhas?

Bem, para finalizar a cena, imagine-se agora condenada a essa rotina por 2 a 4 anos de vida, começando do desabrochar da adolescência e permanecendo nesse lugar, recebendo doses altíssimas de hormônios para aumentar imensamente a secreção do leite que seu corpo estaria produzindo para alimentar um bebê que você tivesse sido forçada a emprenhar e que lhe seria tirado no dia seguinte ao parto. E agora, para completar, imagine que seus seios tenham três, quatro ou mesmo dez vezes mais o peso e tamanho do que seria normal terem, caso secretassem apenas o leite suficiente para manter aquele seu bebê que foi arrancado de você imediatamente após nascer. O inferno ainda não está completo.

Agora imagine que acoplam em você, em cada um dos seios, um sutiã de metal ligado a uma corrente elétrica, com mecanismo de vácuo para forçar o leite, que era para seu bebê, a sair para um coletor colocado a seus pés. Bem, para seu consolo, imagine que isso que estão lhe fazendo agora, e lhe farão pelos próximos anos (sempre gerando bebês) também esteja sendo feito com outras mulheres, dezenas, centenas, milhares delas, confinadas a seu lado, nas mesmas condições, e sofrendo os mesmos tormentos. Todas num silêncio dilacerante.

Bem, é isso o que fazemos às vacas, para extrair delas o leite que elas produzem para alimentar seus bezerros, os mesmos que alguém comerá em restaurantes especializados em servir carne de vitela.

Boa parte das vacas morre eletrocutada no úbere, por falta de manutenção adequada do sistema elétrico que extrai o leite a vácuo.

Isso, resumidamente, é o que vem sendo feito às vacas confinadas pela indústria de laticínios, porque os galactômanos humanos querem obter dos corpos delas uma secreção mamária que só existe nelas para que possam alimentar os bebês delas, não os nossos, muito menos humanos adultos já hiperproteinados, hipercalcificados, hipercolesterolemizados. Ou seja, a pessoa adulta NÃO necessita tomar leite! p.94 e 95

Sobre a excreção do leite

É preciso considerar o que representa para o planeta a manutenção do sistema atual de produção de leite. De acordo com os dados apresentados por Schmid, uma vaca usada para extração diária de 40 litros de leite produz em torno de 530 litros de resíduos por dia, considerando-se o total entre fezes, urina e outros dejetos do sistema de confinamento. Basta imaginarmos o que representa, ao cabo de um ano, a produção de leite dessa única vaca, escondida dos olhos do consumidor: 193.450 litros de dejetos. A proporção fica em torno de 1 litro de leite para 13 de dejetos. Mas ao adquirir 1 litro de leite ou 1 kg de manteiga (equivalente a 40 litros de leite), o consumidor não adquire o contêiner, contendo, respectivamente, 13 litros, ou 530 litros de dejetos, o equivalente ao que o consumo desse produto de origem animal deixa de rastro sobre o planeta.

Segundo Keon, uma vaca comum, produz em média, por dia, 60 kg de fezes e urina. Se fizermos os cálculos, no Brasil, multiplicando-se o rebanho de 22.435.289 vacas ordenhadas, em 2009, por 60 kg de excrementos/dia, temos 1.346.117.340 kg. Se uma vaca excreta o equivalente ao que 24 humanos o fazem, o total de excrementos das vacas em atividades de lactação, no Brasil, é três vezes maior do que o total de excrementos dos brasileiros adultos.

Em resumo, afogamos nosso solo, águas e ares com excrementos animais, por conta da galactomania. Alguma coisa está fora da ordem moral. Multiplicando-se aquele volume por 365 dias, as vacas brasileiras produzem 491.332.829.100 kg anuais de excrementos, por conta de 29.112.000 toneladas de leite extraídos delas (2009).

Obs.: Eis aqui uma das conclusões dos EUA não assinarem o Protocolo de Quioto, pois estes números são muito maiores. p.58 e 59

Sobre a escravização sexual dos animais 

O propósito das gestações e lactações bovinas não é atender às necessidades das vacas ou de seus bezerros, mas desviar a produção láctea para fins comerciais. O leite continua a ser tirados do mesmo lugar de onde sempre o foi, há milênios: do úbere da vaca. Mas, hoje, embora o aspecto visual dele seja o mesmo de há 50 anos, isto é, embora mantenha a aparência de leite, as características e elementos nutricionais dele já não são mais os mesmos de antigamente. Olhando de perto, à luz dos microscópios, o leite não é nada “normal”. […] Segundo Jeffrey Moussaieff Masson, “as vacas usadas para extração de leite geralmente são de uma espécie diferente das criadas para corte” […]. Uma novilha deixa sua condição infantil e entra na adolescência logo após completar o primeiro ano de vida, quando, por vontade dos produtores, é transformada em uma “vaca de leite”. […] “a primeira inseminação ocorre aos 15 meses de vida”. Uma segunda inseminação é feita “sessenta dias mais tarde”. p.49 

Sobre a carne de vitelo  

No relato sobre a brutalidade do que “escorre escondido” no leite consumido, não se pode omitir a questão do destino dos vitelos, que uma vez nascidos, são inaproveitáveis para os fins laticínios. Sua utilidade se esgota com o fim da gestação, pois ele serve para disparar o gatilho hormonal que forma a secreção mamária. Segundo Peter Singer e Jim Mason, quase todos os bezerros paridos pelas vacas usadas para extração do leite destinam-se ao mercado consumidor da carne de vitelo. Alguns, os que nascem com deformidades ou muito debilitados, são imediatamente abatidos e transformados em ração para animais de estimação. Os que nascem fortes, mais raros, “são criados para o corte” ou usados em cirurgias cardíacas experimentais de transplantes, substituindo os cães. […] p.41

Eles são condenados a viver num cubículo, por quatro meses (logo depois do nascimento), privados do contato físico com sua progenitora, de alimentos com nutrientes essenciais para seu desenvolvimento e saúde, de água (assim ingerem maior quantidade da mistura sem ferro preparada para mantê-los anêmicos até o abate), de espaço para mover o corpo, e de luz solar. Para evitar contato com a luz, até as paredes do cercado onde são confinados são pintadas de preto. A escuridão os deixa quietos. As luzes são acesas somente na hora da comida. A cegueira, uma das muitas sequelas dessa condenação, geralmente, anuncia a morte por exaustão. Ao final de quatro meses, os sobreviventes dessa “dieta” são enviados para o “corte”, eufemismo de “morte”.

Os consumidores humanos que comem a carne rosada e tenra, mais uma vez, têm a ilusão da suavidade que cobre com um véu encantador do fluxo incessante de dor e tormento pelo qual o vitelo, e não menos sua mãe, passaram, até que os derivados dessa dor cheguem ao prato do consumidor camuflados sob uma aparência de leveza, macies, alvura ou doçura. O confinamento e a morte dos vitelos são efeitos colaterais do consumo de leite e laticínios. Algo muito feio escorre, escondido, do leite consumido. […] p.42

Jogados nas crateras de 56 cm de largura por 1,38 m de comprimento, esse espaço é tão pequeno que os animais mal podem se mover para os lados, e jamais podem girar seu corpo, completando um círculo. Quando se deitam, são obrigados a posicionar as pernas de um modo que jamais um bovino o faria. Amarrados pelo pescoço, não podem mudar de posição, nem olhar para qualquer outro ponto, a não ser o que fica imediatamente à frente de suas cabeças. […] p.46

A carne rosada de um bezerro (que é rosada pela ausência de ferro e se torna anêmica) foi “preparada” por 120 dias…

Sua carne macia é levada à boca do comedor, que mal a mastiga e já a engole permanecendo, portanto, na zona gustativa e palativa prazerosa desse comedor por menos de 15 segundos. Onde está a moralidade desse ato de comer? p.48

[…] Doenças humanas comuns, tais quais arteriosclerose, diabetes tipo 1, distúrbios digestivos crônicos, anemia em bebês e até distúrbios neuro mentais do autismo, esquizofrenia e mal de Parkinson, têm sido associadas com a incapacidade de o sistema digestório humano dar conta de um produto que a natureza cria para nutrir o corpo e o cérebro de bovinos, não de humanos (leite e seus derivados). p.27

Esta narração é de apenas um dos muitos segmentos existentes em nossa sociedade que é totalmente desconhecida pela maioria das pessoas consumidoras do leite e carnes. O consumo de leite para o cidadão adulto é uma afronta ao Espírito da Criação instituída por Deus. É a consolidação de um desejo insano que nada tem de saudável, muito pelo contrário. O único beneficiado, neste processo nefasto, é a cadeia produtiva e explorativa da necessidade criada em nome do progresso da humanidade. E por falar em necessidade criada, ela está presente na sociedade com o nome ‘obsolescência planejada’ em que, grande maioria dos produtos, são criados com ‘prazos de validade’, seja mecânico ou tecnológico. (Veja o vídeo: ‘A História das coisas’)

Ao analisarmos cada segmento com mais propriedade, vamos encontrar ‘verdades’ aterrorizantes sobre a capacidade exploratória humana, para atender uma demanda cruelmente instituída. Se enxergarmos apenas o lado positivo que nos é apresentado, sem nos preocupar em encontrar outros elementos da cadeia produtiva, podemos pensar que tudo que existe neste mundo é bom e traz benefício para as pessoas.

Indo para as questões mais profundas de ordem espiritual é também pensar que recebemos a salvação, através de Cristo, unicamente para sermos participantes, domingo após domingo, dos cultos apresentados por as mais variadas denominações religiosas. Pensar que foi apenas para isso que Cristo nos salvou da morte. Este pensando é simplista, diminuto e extremamente conflitante com a narração bíblica. 

Daí, para muitos cristãos, o anseio pelo céu e volta de Cristo usurpa o cuidado com o outro e com a criação. Outros, desistem por completo deste mundo e ansiosamente esperam pelo ‘novo mundo’ a ‘nova Jerusalém’, semelhante ao homem, sem qualquer conhecimento espiritual, sai constantemente em busca de um novo planeta para a humanidade, pois neste planeta não há mais recursos e não lhe serve mais, pois todos os recursos que tinha, foram explorados e consumidos, agora é buscar, explorar e consumir outro.

 

III – O CUIDADO ECOLÓGICO E A MISSÃO INTEGRAL 

Artigos e outras reflexões são escritos a cada dia sobre a temática da Missão Integral. Alguns, continuam a apresentar textos bonitos e bem escritos que nos satisfazem com sua leitura e nos dão uma sensação de que, ou estamos próximos dessa prática ou, tão distantes que nos sentimos seres de outro planeta pensando que nunca conseguiremos realizar esta missão em sua totalidade.

Em abril de 2019, escrevi o artigo intitulado: A Miséria do Mundo. Neste artigo, trago a reflexão sobre vários conceitos de misérias que estão ao nosso redor e que passam desapercebidas. Identifico, como foco deste artigo, a descrição de fatores que apresentam um mundo com características assombrosamente miseráveis, expandindo a porção destacada por Pierre Bourdieu em sua obra com mesmo nome.

Novamente, quero apresentar um vídeo, muito interessante, intitulado ‘Man’! Criação de Steve CuttsClique AQUI para assistir, que retrata com clareza a capacidade do homem para a exploração e a consequente destruição da vida no planeta Terra. O vídeo tem apenas 3’ e 36”, que são suficientes para passar a mensagem da personalidade humana e suas ações nefastas para com os animais e a natureza. Personalidade esta, muito distante daquela de um agente cuidador designado por Deus em Gênesis. Decorrente do pecado da desobediência humana, toda a humanidade geme, ansiosa por restauração, conforme destaca o profeta Isaías, no capítulo 33, versículo 9a: ‘A Terra geme e pranteia…’.

Nesta mesma linha, o apóstolo Paulo destaca em sua carta aos Romanos, no capítulo 8, versículo 33, que diz:

Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora.

O homem é uma espécie perigosamente insana e doente em seu estado natural. Sem a restauração ofertada por Cristo, naturalmente estará distante de pensar e executar o bem, seja para seu próximo, seja para a criação de Deus.

A poluição do planeta é apenas um reflexo externo de uma poluição interior psíquica gerada por milhões de indivíduos inconscientes, sem a menor responsabilidade pelos espaços que trazem dentro de si. (TOLLE, 2002, 80).

Dessa forma, o cuidado ecológico, não se justifica apenas por características de ausência de cuidados da natureza de uma ou outra pessoa, ou governos que acreditam ou não, no aquecimento global. O descuidado ecológico, apresenta a faceta de um ser humano caído, desobediente e pecador, que insiste em viver distante do seu criador, pouco se importando com as consequências de suas ações desumanas e perversas.

Uma percepção mundial está ocorrendo devido às ‘novas’ alternativas de fontes energéticas e ao início da decadência do consumo do petróleo e seus derivados. Isso não aconteceu de forma totalmente espontânea, mas pela dificuldade e altos custos na captação e produção para o consumo final, pois estancou-se os depósitos naturais. Em muitos locais, não há mais produto bruto para ser extraído.

Assim, o descuidado ecológico se caracteriza pela ganância de governantes em permanecerem no poder a qualquer custo… se caracteriza pela igreja em querer atender apenas questões de ordem espiritual, abandonando por completo o Espírito da Criação. O descuidado ecológico está nos grupos ensimesmados que criam e promovem ‘eventos’ apenas para suprir os anseios dos ‘de casa’.

Não pretendo que este texto seja extremamente negativo, principalmente por saber que a necessidade cria boas oportunidades. Dessa forma, trago a colaboração de Jeremy Rifkin, consultor da União Europeia, descrita em seu livro: A Terceira Revolução Industrial. Nesta obra, o autor explora como a tecnologia da internet e as energias renováveis estão se fundindo para criar uma forte “Terceira Revolução Industrial”, onde poderá haver milhares de empregos e uma nova perspectiva de como viver em sociedade. Na página 137, ele fala sobre A Economia Colaborativa:

A Terceira Revolução Industrial emergente, em contrapartida, (com a primeira e segunda Revolução Industrial) é organizada em torno de energias renováveis distribuídas que são encontradas em toda parte e são, na maioria, livres – o sol, o vento, as águas, calor geotérmico, biomassa, ondas e marés do oceano. Essas energias dispersas serão coletadas em milhões de locais e então reunidas e compartilhadas com os outros por meio de redes de energia inteligentes para atingir níveis ótimos de energia e manter uma economia, de alto desempenho. A natureza distribuída das energias renováveis precisa ser colaborativa, em vez de contar com mecanismos hierárquicos de controle e comando.

E, na página 288, encerra sua reflexão:

Nossa tarefa fundamental é aproveitar o capital público, o capital de mercado e principalmente o capital social da raça humana para efetuar a transição do mundo em uma economia da Terceira Revolução Industrial e da era pós-carbono. Uma transformação dessa escala exigirá um salto concomitante para a consciência da biosfera. Somente quando começarmos a pensar como uma família global estendida, que não só inclui nossa espécie, mas todos os participantes dessa viagem evolutiva na Terra, seremos capazes de salva nossa comunidade da biosfera e renovar o planeta para futuras gerações.

É sabido que muitas mudanças estão acontecendo, de fato, na sociedade mundial. Mas, no lugar de meros observadores, devemos nos perguntar, qual o nosso papel em todas essas mudanças e analisar o contexto mais próximos de nós, em nosso dia a dia.

Assim, podemos nos questionar:

Qual foi o dia que ouvi um sermão, na minha comunidade de fé, denunciando o poder humano exploratório abusivo?  

Qual foi o dia em que presenciei alguma ação concreta, partindo da minha comunidade de fé, no sentido de cuidado com o meio ambiente? 

Quando foi levantado orações ao Deus criador, para que Ele nos dê sabedoria para criar ações criativas que busquem renovar, transforma e restaurar, o Shalom que o próprio Deus criou? 

Quando foi que, individualmente, busquei conhecer mais sobre a capacidade humana exploratória, que tem afetado a minha expressão de fé?

 

IV – PARTINDO PARA AÇÕES PRÁTICAS   

No livro ‘O que é Missão Integral’, de Carlos René Padilha está uma citação bem oportuna para este assunto que estamos refletindo e diz respeito às questões que foram propostas acima. Ele escreve sobre John M. Perkins, um profeta negro de Mendenhall, Mississippi, Estados Unidos. John nunca se limitou ao terreno do teórico, mas se propôs a criar estratégias para que mudanças acontecessem. Assim, ele resume em três princípios:

1º – Deve haver deslocamento: Para servir de maneira efetiva aos pobres devo deslocar-me, ou seja, integrar-me à comunidade necessitada. Ao ser vizinho dos pobres, as necessidades da comunidade se tornam minhas necessidades. 

2º – Deve haver reconciliação: O evangelho tem o poder para reconciliar as pessoas com Deus, com os outros, comigo mesmo e com a criação. A reconciliação que atravessa barreiras raciais, culturais e econômicas não é um aspecto opcional do evangelho. 

3º – Deve haver redistribuição: Deus nos chama a compartilhar com aqueles que sofrem necessidades… Isso significa compartilhar nossas capacidades, nosso tempo, nossas energias e nosso evangelho de formas que capacitem as pessoas a interromper o ciclo da pobreza e a assumir sua própria responsabilidade diante de suas necessidades. p. 96 (PADILHA) 

Estes princípios descritos aqui, creio que expandem o cuidado com os mais pobres e podem ser totalmente empregados na restauração do Shalom de Deus. Por deslocamento, podemos compreender que precisamos sair das quatro paredes e buscar compreender outros cenários presentes no mundo. Por reconciliação precisar ter claro em nossa mente (e prática) que o Evangelho não está restrito a área espiritual do ser humano e, por redistribuição, precisamos compreender (e agir) que se somos conhecedores da verdade que liberta devemos ser os porta-vozes, restaurando o Espírito da Criação, compartilhando deste conhecimento com o mundo.

No entanto, devemos levar em consideração que toda a iniciativa de mudanças e melhoras contínuas sejam ecológicas, sociais, cultura e tecnológicas é, sem dúvidas, importante ao ser humano mas, serão apenas no plano terreno, pois o homem sem Deus é apenas o ser criado, com imagem e semelhança ofuscadas pelo pecado, destituído da salvação eterna, carente da graça do seu criador.

Como Igreja de Cristo podemos (e devemos) fazer muito mais do que, repetidamente, promover cultos a Deus. Isso, indiscutivelmente é importante. Mas também é extremamente importante sermos agentes promotores do Shalom de Deus neste mundo, até a volta e restauração completa por Cristo Jesus, pois esta tarefa nos foi dada desde a fundação do mundo!

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Baixar em PDF :  

BIANCO, Claudecir. A miséria do mundo. Curitiba, PR : Artigo disponível em <https://calbianco.com/a-miseria-do-mundo/>, 2018.

BIANCO, Claudecir. A prática da missão integral. Curitiba, PR : Artigo disponível em <https://calbianco.com/a-pratica-da-missao-integral/>, 2018.

BIANCO, Claudecir. Reflexão sobre a prática e a conceituação de “Ação Social”. Curitiba, PR : Artigo disponível em <https://calbianco.com/wp-content/uploads/2018/04/Reflexão-sobre-a-prática-e-a-conceituação-de-“Ação-Social”.pdf>, 2011.

BIANCO, Claudecir. Estabelecendo o Shalom de Deus através da Missão Integral. Curitiba, PR : Artigo disponível em <https://calbianco.com/wp-content/uploads/2018/04/estabalecendo-o-shalom-de-Deus-através-da-missão-integral.pdf>, 2018. 

BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos King James – BKJ 1611 – Niterói, RJ : BV Films Editora, 2018.

CASTRO, Clóvis Pinto. Por uma fé cidadã – a dimensão pública da Igreja. São Paulo: Loyola, 2000

FELIPE, Sônia T. Galactolatria : mau deleite : implicações éticas, ambientais e nutricionais do consumo de leite bovino – São José, SC : Ed. da autora, 2012.

PADILHA, Carlos René. O que é missão integral? – Viçosa, MG : Ultimato, 2009.

RIFKIN, Jeremy. A Terceira Revolução Industrial – Como o poder lateral está transformando a energia, economia e mundo. São Paulo, SP : M.Boooks do Brasil Editora Ltda, 2012.

TOLLE, Eckhart. O Poder do Agora – Um guia para a iluminação espiritual. – Rio de Janeiro, RJ : Sextante, 2002

WILLIAMS, Derek. Dicionário Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2000.

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