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O Teocentrismo como referência

Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Março/2019


O tema central da teologia, de acordo com a teologia reformada, não é o ser humano, sua situação ou suas possibilidades, nem mesmo Jesus Cristo, mas Deus, que é o criador e que se revelou somente em Jesus Cristo. Dizendo melhor, a teologia cristã tem a ver com o Deus Trino, que é o insondável criador de todas as coisas, …que se fez conhecido em Jesus Cristo, e que, como Espírito Santo, é o Senhor e o doador da vida, o qual falou pelos profetas.

O unitarismo do Pai, o criador, não leva em consideração o redentor e o santificador. O unitarismo do Filho esquece o criador e o santificador. Finalmente, o unitarismo do Espírito Santo absorve-se na atuação de Deus na vida interior do crente levando à exclusão de suas outras atividades. Cada unitarismo distorce a compreensão não somente de Deus, mas também da vida cristã que é uma resposta à exigência divina. A teologia cristã tem a ver com o único Deus que se relaciona, pessoalmente e sempre, de três maneiras com a sua criação.

Escrevendo há cerca de oitenta anos, um grande estudioso de Calvino, Émile Doumergue, insistiu que Calvino era teocêntrico, e não cristocêntrico, em seu trabalho teológico. O significado de Jesus Cristo é tão grande para a teologia, que a piedade cristã tem sido sempre tentada a crer que nenhuma teologia pode ser demasiadamente cristocêntrica. Para os cristãos, Deus é definido por Jesus Cristo; e Jesus Cristo ocupa importância central em toda a teologia cristã. O Credo Niceno, que afirma que em Jesus Cristo o crente se defronta com o próprio Deus, é a confissão cristã básica. Jesus Cristo é a chave decisiva para a compreensão da natureza do Criador e do Espírito. Nosso conhecimento do pai e do Espírito seria mais difuso e, assim não cristão, sem o Filho que se tornou carne em Jesus de Nazaré. Todavia, é também verdade que, em sua atuação, Deus é indivisível e suas obras não podem ser separadas de sua unidade. Uma afirmação cristã fundamental é que o Deus que redime é também o Deus que cria, que dá vida e que fala através dos profetas.

A insistência em que o objeto da fé é o Deus Trino é uma das características da teologia reformada. Essa teologia tem tido pouca paciência com qualquer tipo piedoso de Jesuslogia, como se pode ver em uma hinologia sentimental e auto orientada. Da mesma forma, tem tido pouca simpatia com os assim chamados movimentos carismáticos que se absorvem da análise introspectiva da psiquê. O Deus que os cristãos cultuam é o Senhor Deus que criou os céus e a terra, e o Santo Espírito que dá conforto, bem como o Deus que se encontra com seu povo e o redime em Jesus Cristo. Um unitarismo do Pai leva a uma fé austera e criativa. Um unitarismo do Filho conduz ao sentimentalismo da Jesuslogia. Um unitarismo do Espírito produz irresponsabilidade emocional. A teologia reformada reconhece o Deus Trino.

O Deus Trino é o Senhor dos céus e da terra. Neste ponto, a teologia reformada nunca vacilou e esta convicção tem dado caráter distintivo à fé da comunidade reformada. H. Richard Niebuhr, bem como outros teólogos contemporâneos, analisou a fé de uma forma compatível com a teologia reformada. Por um lado, a fé é confiança em Deus. É mais do que consentimento mental. É confiança que nasce da convicção pessoal de que Deus é soberano. Calvino amava os salmos por causa da certeza que davam de que Deus é o senhor da natureza e da história e o protetor do seu povo. Significativamente, os salmos que atraíram, em primeiro lugar, a atenção do culto calvinista foram aqueles que afirmavam confiança em Deus em meio às turbulências da vida. Fé é também, insistiu H. Richard Niebuhr, uma expressão contemporânea a um tema fundamental da fé reformada. A vida cristã, para Calvino, era, em grande medida, lealdade a Deus e sua causa.

O caráter teocêntrico da fé reformada se coloca contra qualquer ética de auto realização, contra a preocupação excessiva com a salvação da própria alma, contra a demasiada inquietação com questões a respeito da identidade pessoal. O grande fato é Deus. E a verdadeira vocação de todo o ser humano é confiar nele e ser fiel à sua causa. Mais uma vez, H. Richard Niebuhr expressou, com grande paciência, esta convicção calvinista de que o fato final com que todas as pessoas têm de se ver é Deus.

Podemos chamar isto de natureza das coisas, de destino, de realidade. Mas, por qualquer nome que chamarmos esta lei das coisas, esta realidade, este modo como as coisas são, é algo com que todos nós temos de lidar. Podemos não ser capazes de dar um nome a isto, chamando somente de ‘vazio’ fora do qual todas as coisas surgem e ao qual todas as coisas retornam, embora isto também seja um nome.

Mas é ali – a última realidade indefinida e vaga, o segredo da existência em virtude do qual as coisas vêm a existir, são o que são e passam. Contra isto não há defesa.

Deus, eu creio, está sempre na história. Ele é a estrutura nas coisas, a fonte de todo o significado, o ‘Eu sou o que sou’, aquele que é o que é. Ele é a rocha contra a qual batemos em vão, aquele que nos pisa e nos esmaga quando buscamos impor nossos desejos, contrários aos seus. Não se pode dizer que esta estrutura do universo, esta vontade criativa interfere brutalmente na história como não se pode afirmar que a violação das leis do meu organismo interfere brutalmente na minha vida, se me fazem pagar o custo de minha violação.

Não existe nenhuma teologia reformada que não articule a majestade e a gloria de Deus. Da mesma forma, não existe nenhuma piedade reformada que não experimente que Deus é o ‘Todo Outro’. O Deus da fé reformada não pode ser domesticado ou comandado por qualquer ser humano. Ele é o Deus vivo. (cf. LEITH, 1996:147-150).

[…] A aparência de Cristo, sua vida, sua obra, suas palavras, sua morte (e sua ressurreição) causaram maravilhoso efeito na mente humana. Seus sentimentos religiosos foram muito mais profundamente estimulados, purificados e elevados do que antes. Daí os homens de sua geração, que se entregaram à sua influência, possuírem intuições da verdade religiosa da ordem mais elevada que a humanidade já pode atingir. Essa influência continua presente hoje, Todos os cristãos são seus objetos. Todos, portanto, em proporção à pureza e elevação de seus sentimentos religioso, possuem intuições das coisas divinas, tais como as que os Apóstolos e outros cristãos desfrutam. A santidade perfeita deve assegurar o conhecimento perfeito. (cf. Hodge, 2001:6).

Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. (cf. Romanos 5:8)

 

Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. (cf. João 3:16)

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Perda de identidade. Por vezes, penso que algumas pessoas perderam (ou nunca tiveram) um referencial teológico (claro) para expressar sua fé. A forma como muitos cristãos se concentram em determinadas áreas ‘teológicas’, me provoca um pensamento que escolhas alinhadas com seus desejos mais inconsciente (ou deliberadamente, consciente), é a responsável por seu comodismo e desinteresse pela missão que temos no mundo. Outros se confundem em suas preces! Parecem não entender que devemos orar ao Pai, em nome do Filho, pela ação do Espírito Santo que habita em nós. Ao mesmo tempo, não agem de forma prática, no dia a dia, em imitação ao Filho. Em minha opinião, falta, em muitos casos, o estudo e o acompanhamento, por parte dos líderes, na busca de uma expressão de fé equilibrada e consistente com a Palavra de Deus.

Que Deus nos ajude a viver esse equilíbrio em nossa vida!

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BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos de Genebra – São Paulo: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001.

LEITH, John H. A tradição Reformada – Uma maneira de ser a comunidade cristã. São Paulo: Ed. Pendão Real, 1996.

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