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Deus negro

Por: Claudecir Bianco
Teólogo e Missionário
Abril/2019


E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Êxodo 3.14

 
Eu era ainda adolescente quando li um livro que marcou minha vida. Fiquei surpreso e, ao mesmo tempo, intrigado com o conteúdo dos poemas. O nome do livro era Deus Negro de Neimar de Barros, e dentro dele, um poema com o mesmo título. O livro me foi dado por meu irmão. Surpreso, li o pequeno livro em pouco tempo. Havia naquele tempo, alguns problemas sociais, creio que muitos iguais aos de hoje, mas, como não tínhamos tanto acesso às informações, na velocidade que se tem hoje, parecia que a sociedade era diferente. Mas, desde muito, sabemos que o ser humano, faz distinção de pessoas e, geralmente subjuga seu próximo. A disparidade social, cultural, econômica e religiosa, causa grandes danos no convívio comum, promovem traumas e geram cicatrizes profundas. Rejeições e humilhações, públicas ou privadas, são retratadas em livros, filmes e estão diante de nós em todos instantes. Qualquer tipo de pré-julgamento é danoso, não só para quem é alvo do julgamento, mas também, por aquele que julga, pois acredita estar em nível superior, ledo engano.

Recente, vivemos mais um período de rememoração da páscoa cristã. O combate ao coelho foi intenso nas redes sociais por aqueles que consideram uma afronta à sua fé. No entanto, mesmo que em pequenas quantidades, os mesmos que praguejam contra o pequeno mamífero, experimentam os sabores dos chocolates que inundam os mercados e os shoppings. Não há problemas nisso. Assim como também não há problemas em achar que Jesus era um homem claro, cabelos longos e bem cuidados, olhos azuis, barba bem aparada. Na verdade, essa foi a imagem que nos foi apresentada desde a infância. Apesar, de termos sidos alertados pelos mais velhos, que ninguém jamais conseguiu dar uma descrição precisa do Salvador, foi essa a aparência que muitas pessoas ainda tem gravado em suas mentes.

Neste mesmo período a revista eletrônica da BBC, publicou um artigo intitulado:  Ponto de vista: por que é importante saber que Jesus não era branco escrito por Robyn J. Whitaker que  é professora de Novo Testamento no Pilgrim Theological College da Universidade de Divinity, na Austrália.
Se este assunto lhe interessa, vale a pena a leitura e reflexão, é bem interessante. Mas, a autora, encerra assim sua argumentação:

Nessa Semana Santa, não posso deixar de me perguntar como seriam nossa igreja e nossa sociedade se aceitássemos que Jesus era negro; o que aconteceria se enfrentássemos a realidade, que não é outro senão a de um corpo negro pregado na cruz, abatido, torturado e executado publicamente por um regime opressor.

Talvez nossa atitude mudasse se compreendêssemos que a injusta prisão, abuso e execução às quais o Jesus histórico foi submetido têm mais a ver com as experiências dos indígenas ou dos refugiados do que com aqueles que detêm o poder da igreja e que se apropriaram da imagem de Cristo.

Pode parecer radical, mas não paro de pensar sobre o que poderia mudar se fôssemos conscientes de que a pessoa chamada de Deus pelos cristãos não era branca, mas que o salvador do mundo foi um judeu do Oriente Médio.

Se Deus fosse, de fato, negro, o que mudaria em nossas vidas?

Quais significados traria para a humanidade?

Será que a rejeição ao cristianismo seria ainda maior?

E a igreja, forjaria um Deus com uma aparência diferente para agradar os fiéis?

Não há respostas prontas para estes questionamentos, mas, a partir de pesquisas realizadas, podemos perceber que a humanidade não seria a mesma. Tendo como exemplo o Brasil, observamos que o jornal EL PAÍS, em 17 de junho de 2018, publicou a seguinte matéria: No Brasil, dois países: para negros, assassinatos crescem 23%. Para brancos, caem 6,8%. Essa matéria, elaborada por Gil Alessi, teve como base o Atlas da Violência 2018 que aponta que a desigualdade racial no Brasil ‘se expressa de modo cristalino no que se refere à violência letal’.

Dessa forma, creio sim, que tudo seria muito diferente, talvez não chegássemos ao Século XXI, ou o Cristianismo teria a menor composição numérica das religiões. Claro, são apenas suposições.

Lembra do livro que mencionei logo acima? Voltando a ele, descrevo abaixo o poema do autor que me fez refletir quando criança e que ainda traz reflexões interessantes.

“DEUS NEGRO”

 

Eu, detestando pretos,
Eu, sem coração!
Eu, perdido num coreto,
Gritando: “Separação”!

 

Eu, você, nós… nós todos,
cheios de preconceitos,
fugindo como se eles carregassem lodo,
lodo na cor…
E, com petulância, arrogância,
afastando a pele irmã.

 

Mas, estou pensando agora,
e quando chegar minha hora?

 

Meu Deus, se eu morresse amanhã, de manhã?
Numa viagem esquisita, entre nuvens feias e bonitas,
se eu chegasse lá e um porteiro manco,
como os aleijados que eu gozei, viesse abrir a porta,
e eu reparasse em sua vista torta, igual àquela que eu critiquei?

 

Se a sua mão tateasse pelo trinco,
como as mãos do cego que não ajudei?
Se a porta rangesse, chorando os choros que provoquei?

 

Se uma criança me tomasse pela mão,
criança como aquela que não embalei,
e me levasse por um corredor florido, colorido,
como as flores que eu jamais dei?

 

Se eu sentisse o chão frio,
como o dos presídios que não visitei?
Se eu visse as paredes caindo,
como as das creches e asilos que não ajudei?

 

E se a criança tirasse corpos do caminho,
corpos que eu não levantei
dando desculpas de que eram bêbados, mas eram epiléticos,
que era vagabundagem, mas era fome?

 

Meu Deus!
Agora me assusta pronunciar seu nome.
E se mais para a frente a criança cobrisse o corpo nu,
da prostituta que eu usei,
ou do moribundo que não olhei,
ou da velha que não respeitei,
ou da mãe que não amei?

 

Corpo de alguém exposto, jogado por minha causa,
porque não estendi a mão, porque no amor fiz pausa e dei,
sei lá, só dei desgosto?

 

E, no fim do corredor, o início da decepção.
Que raiva, que desespero,
se visse o mecânico, o operário, aquele vizinho,
o maldito funcionário, e até, até o padeiro,
todos sorrindo não sei de quê?

Ah! Sei sim, riem da minha decepção.

 

Deus não está vestido de ouro. Mas como?
Está num simples trono.
Simples como não fui, humilde como não sou.

 

Deus decepção.
Deus na cor que eu não queria,
Deus cara a cara, face a face,
sem aquela imponente classe.

 

Deus simples! Deus negro!
Deus negro?

 

E Eu…
Racista, egoísta. E agora?
Na terra só persegui os pretos,
não aluguei casa, não apertei a mão.

 

Meu Deus você é negro, que desilusão!

 

Será que vai me dar uma morada?
Será que vai apertar minha mão? Que nada.

 

Meu Deus você é negro, que decepção!

 

Não dei emprego, virei o rosto. E agora?
Será que vai me dar um canto, vai me cobrir com seu manto?
Ou vai me virar o rosto no embalo da bofetada que dei?

 

Deus, eu não podia adivinhar.
Por que você se fez assim?
Por que se fez preto, preto como o engraxate,
aquele que expulsei da frente de casa?

 

Deus pregaram você na cruz
e você me pregou uma peça.
Eu me esforcei à beça em tantas coisas,
e cheguei até a pensar em amor,

 

Mas nunca,
nunca pensei em adivinhar sua cor…

 

Neimar de Barros

Forte essa reflexão, não é mesmo?

Penso que reflexão semelhante foi para os Judeus, quando Jesus contou a história do Samaritano, relatada no evangelho de Lucas, capítulo 10, versos 29ss, quando foi indagado por um mestre da lei sobre quem era seu próximo.

Seja Deus como for, Ele é Deus! Seu amor é incomensurável! Sua revelação especial ou natural foi dada ao ser humano de forma que todos reconheçam que há o Deus criador. A nós, criaturas Dele, imperfeitos, pecadores, repletos de dúvidas, nos resta crer no seu amor e replicar este amor ao nosso próximo, seja ele de qualquer cor, raça, credo, nação… A nós, nos resta pedir a misericórdia desse Deus majestoso pois, somos ignorantes nesta vida e carecemos do Seu poder para nos restaurar e purificar nossas mentes e corações.

Seja Deus como for, Ele enviou Seu filho (seja ele como for) para nos resgatar do pecado e da morte eterna.

Seja Deus como for, Ele nos amou primeiro!

Seja Ele como for, Ele é Deus e nós, suas criaturas!

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BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos King James – BKJ 1611 – Niterói/RJ : BV Films Editora, 2018.

Imagem de Stefan Keller por Pixabay

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